Para as comunidades tradicionais localizadas na zona costeira cearense, a luta pela posse e propriedade da terra não é apenas uma questão fundiária, mas uma luta pela integralidade da existência. “Nossa agenda não é apenas pela defesa dos nossos territórios, mas em defesa das cachoeiras onde possamos fazer nossos ritos religiosos, em defesa do mangue para retirarmos nossos mariscos, em defesa das dunas para o equilíbrio ambiental. É a luta contra o racismo ambiental”, afirma Francisco Nonato do Nascimento, do conselho pastoral dos pescadores.
Ao lado de representantes de dezenas dessas comunidades, Nonato participou, na última terça-feira, da audiência pública sobre conflitos fundiários na zona costeira promovida pelo mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), na Assembleia Legislastiva. O evento, que celebrava o Dia de Mobilização em Defesa dos Povos e Territórios Tradicionais Costeiros, foi realizado em parceria com o Instituto Terramar e marcou o lançamento da Campanha contra a Comercialização de Terras na Zona Costeira do Ceará, articulada por entidades da sociedade civil.
Os povos tradicionais são populações de origem negra, indígena e sertaneja que ocupam secularmente os territórios costeiros e que enfrentam diferentes situações de conflitos ambientais e fundiários relacionados à especulação imobiliária, à grilagem de terras e ao uso predatório dos ecossistemas por grandes empreendimentos de resorts, parques eólicos, fazendas de carcinicultura e indústria portuária, entre outros.
“Nós nos levantamos contra a persistência do racismo ambiental e do etnocentrismo como traços decisores das políticas públicas”, defendeu Nonato na abertura do evento. “E nos reunimos todos, pescadores, indígenas, quilombolas, povos de santo; ocupamos a Assembleia com nossos corpos, nossos cocares, nossas danças, enfrentando esse lugar que tem uma estética hostil à nossa presença, para dizer que hoje é um dia que abre uma grande agenda de lutas”.
Para Adriana Tremembé, o governo golpista de Temer tem trabalhado para retirar direitos das comunidades tradicionais e somente a luta conjunta dos diferentes povos pode garantir alguma dignidade para essas populações. “Nosso direito está sendo massacrado. Nós precisamos fazer com que nossa voz seja ouvida. Se não for assim, não teremos mais esses direitos. O presidente golpista é contra as populações tradicionais”, afirmou. “Eles querem nossa cabeça. Mas ao calar uma liderança, eles não conseguem calar o povo. Eles arrancam o tronco, mas esquecem de arrancar a raiz. Nossos ancestrais estão conosco”.
Também participaram da audiência representantes de órgãos públicos como INCRA, Semace, Sema, SPU, ICMBio, Idace e Defensoria Pública. Renato lembrou que o número de assassinatos em conflitos fundiários está aumentando no Brasil e que, só em 2017, já são mais de 30 vítimas. “Isso nos lembra o pior dos tempos do colonialismo”, afirmou. “Nós precisamos reverter esse cenário. No caso da zona costeira, há fortes pressões do empresariado sobre essas comunidades. E a cada semana que passa e em que o poder público não atua, deixando de garantir os direitos e a dignidade desses povos, os conflitos vão se acirrando”.