A convocação de Jair Bolsonaro, que incitou a invasão em pelo menos três estados brasileiros de hospitais onde estão sendo tratados pacientes de Covid-19, virou objeto de uma NOTÍCIA-CRIME apresentada ao Ministério Público Federal nesta segunda-feira (15 de junho). O pedido para que o Procurador-Geral da República (PGR) Augusto Aras abra inquérito para apurar se o presidente cometeu crimes comuns durante transmissão ao vivo pelas redes sociais partiu de um grupo de médicos e advogados cearenses que considerou que a atitude de Bolsonaro “agride os postulados básicos do Estado Democrático de Direito”. No entendimento dos autores, a postura também poderia ser enquadrada como crime de responsabilidade e de improbidade administrativa.
Em “live” realizada em suas redes sociais (que tem milhões de seguidores), na última quinta-feira (11 de junho), Bolsonaro incentivou que seus apoiadores entrassem em alas de unidades hospitalares destinadas ao tratamento de pacientes com Covid-19 e filmassem os leitos, em nova tentativa de minimizar a crise sanitária e sugerir desvio de recursos públicos. “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”, sugeriu.
Para os advogados e médicos que recorreram ao MPF, a convocação do chefe do Executivo federal “já produziu efeitos trágicos e danosos” e ele deve ser investigado como cúmplice e co-autor de atos criminosos ocorridos no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Ceará no dia seguinte à manifestação pela internet. Na capital fluminense, computadores e outros bens públicos do Hospital Ronaldo Gazola foram destruídos. Em Serra, na região metropolitana de Vitória (ES), os responsáveis pela invasão do Hospital Dório Silva foram cinco deputados estaduais apoiadores do presidente. Em Fortaleza (CE), três vereadores alinhados com o pensamento bolsonarista foram barrados pela segurança do hospital de campanha instalado no Estádio Presidente Vargas ao tentar invadir o equipamento.
A atitude do presidente foi repudiada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes que, em uma postagem no Twitter, reconheceu a conduta como crime e considerou “vergonhoso que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”. Além do magistrado, houve repúdio dos governadores do Nordeste, que por meio de uma carta oficial afirmaram que “não é invadindo hospitais que o Brasil vencerá a pandemia”. Já a Associação Brasileira das Médicas e dos Médicos pela Democracia (ABMMD) conclamou outras entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira e a Federação Nacional dos Médicos, a se posicionarem contra a invasão de unidades hospitalares.
De acordo com os autores da representação dirigida ao PGR, que foi cadastrada sob o número 20200126666, a conduta criminosa de Bolsonaro, ao convocar os próprios apoiadores a adotar a invasão de hospitais como um pretenso “método popular de fiscalização”, subverte a ordem jurídica e se soma a uma “coleção de crimes” praticados pelo presidente. “Tivesse o atual ocupante da presidência da República decoro e consciência cívica, qualidades que deveriam ser inerentes a quem ocupa a função de maior mandatário do país, teria acionado os órgãos de controle interno e externo, uma vez tivesse indícios de que estaria havendo desvio do dinheiro público”, afirmam na peça.
O documento dirigido a Aras pede que seja instaurado inquérito para apurar se houve, por parte do mandatário, incitação e apologia aos crimes de perigo para a vida ou saúde (Código Penal – art. 132); violação de domicílio (CP – art. 150); dano qualificado (CP – art. 163); atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública (CP – art. 265) e infração de medida sanitária preventiva (CP – art. 268).
A notícia-crime é assinada por advogados cearenses que integram a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e a Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD) e por profissionais de saúde da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) e do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Ética. Entre os signatários do pedido, estão o ex-deputado federal João Alfredo Teles Mello; o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Mario Mamede; o ex-secretário de Saúde do Estado do Ceará, Raimundo José Arruda Bastos; o deputado estadual Renato Roseno (PSOL); o ex-presidente da Associação Nacional de Procuradores Municipais, Antonio Guilherme Rodrigues de Oliveira; a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, Ana Virgínia Porto; e a presidente da Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia, Liduína Rocha.