Nosso mandato tem acompanhado com preocupação e prudência as informações relativas à expansão da pandemia de coronavírus (Covid-19), seus desdobramentos no Brasil e, mais especificamente, seus impactos sobre a saúde pública no Ceará. O vírus, infelizmente, já está entre nós e o perigo de uma contaminação vertiginosa é realidade. Até esta segunda-feira (16), mais de 200 casos haviam sido confirmados em nosso país, sendo nove deles no estado, o que reforça a necessidade de um protocolo de providências e cuidados, tanto por parte do poder público quanto por parte da população. O momento não é para pânico, mas também não é para desleixo ou negligência.
Estamos colocando as ferramentas de comunicação do nosso gabinete à disposição das instituições de saúde pública para cooperar com os esforços de controle do vírus e ajudar na divulgação das informações necessárias ao enfrentamento da doença. Internamente, estamos seguindo as recomendações das autoridades sanitárias no sentido de evitar reuniões e eventos que possam implicar em aglomeração de pessoas. Foi assim que cancelamos o Seminário de Direitos Humanos e Cidadania que aconteceria hoje em Sobral, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa. O evento foi adiado para uma data ainda a ser definida.
Para além das ações mais imediatas, entretanto, entendemos que esse é um momento de discutir medidas que historicamente são defendidas pelos movimentos sociais e que têm relação direta com o quadro da pandemia. Ao contrário da Europa, temos uma população muito mal nutrida – segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2018, são 13 milhões de brasileiros desnutridos. Além disso, possuímos idosos em situação de grande vulnerabilidade social (no Ceará, são cerca de 800 idosos nas chamadas Instituições de Longa Permanência); um imenso contingente de população em situação de rua (em Fortaleza, estima-se algo em torno de 5 mil pessoas nessas condições) e informalidade recorde do mercado de trabalho.
De acordo com o IBGE, os empregos informais chegam a 41,4% da força de trabalho ocupada no país. Isso significa que milhões de brasileiros e brasileiras, sem qualquer tipo de direito trabalhista ou amparo previdenciário, não podem simplesmente optar pelas alternativas do isolamento ou da quarentena – conforme orientação das autoridades sanitárias para debelar a expansão do vírus. A rigor, essas medidas significariam dias ou semanas inteiras sem trabalho e, consequentemente, sem qualquer tipo de renda.
Temos um contingente de 23 mil presos no Ceará, mais de 1000 adolescentes em atendimento socioeducativo e cerca de 1200 crianças em abrigos. São populações que se apresentam como públicos de alta vulnerabilidade para a contaminação em larga escala do coronavírus. Por isso, é necessário e urgente, entre outras medidas, ampliar os investimentos e o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que reúne as ferramentas necessárias para proteger grande parcela dessas pessoas. É fundamental fortalecer os serviços socioassistenciais com as populações de rua, idosos e pessoas em privação de liberdade; e os benefícios como bolsa-família, benefício de prestação continuada (BPC) e os benefícios socioassistenciais eventuais. Além disso, é necessário retomar as políticas de segurança alimentar e nutricional e avançar nas políticas de segurança social aos trabalhadores precarizados.
Essas medidas demandam recursos orçamentários e o (des)governo ultraneoliberal de Bolsonaro/Guedes, infelizmente, tem atuado na contramão dos direitos e dos interesses dessas populações em maior vulnerabilidade. No apagar das luzes do ano passado, por meio da portaria 2.362/19, publicada pelo Ministério da Cidadania, foram cortados cerca de R$ 1,6 bilhão no orçamento da rede SUAS. Na prática, isso significa deixar de realizar dezenas de milhões de atendimentos por ano às pessoas e às famílias em situação de vulnerabilidade e risco social decorrentes da pobreza. Nosso mandato está apresentando, em caráter emergencial e como contribuição ao enfrentamento do vírus, um projeto de lei que institui um programa de atenção para esse público.
Por fim, entendemos que precisamos debater a crise ambiental e urbana por trás da pandemia. Não podemos enfrentar esse problema de saúde pública sem considerar, por exemplo, as péssimas condições de moradia e de transporte da maioria da população brasileira. São fatores que, aliados à ausência de cobertura previdenciária no mercado informal de trabalho, irão agravar os efeitos dessa pandemia entre nós e aumentar o impacto sobre o SUS, atualmente subfinanciado e já bastante pressionado por outras doenças como dengue, sarampo e febre amarela. Nesse sentido, é urgente revogar a perversa Emenda Constitucional 95, que estabelece o teto de gastos e vai retirar ainda mais verbas do SUS.
O coronavírus traz grandes desafios para nosso cotidiano. Mas pensar nele somente como um problema de saúde pública é restringir a dimensão mais ampla de suas causas e, principalmente, de suas consequências. A atual pandemia é uma oportunidade de repensarmos, de forma urgente, uma série de modelos postos: da política econômica adotada pelo (des)governo ultraneoliberal de Bolsonaro/Guedes às políticas socioassistenciais e ambientais. (Foto: Divulgação/Fiocruz)