A Política Estadual de Recursos Hídricos estabelece, por meio de seu art. 3º, inciso VI, que a outorga consiste em instrumento essencial na gestão dos recursos hídricos. O Decreto 31.195/2013, em seu art. 8º, dispõe que compete a Secretaria de Recursos Hídricos expedir a outorga do direito de uso de água via Portarias. Enquanto instrumento de gestão, a outorga deve ser concedida de maneira criteriosa e seu teor deve ter a maior publicidade possível.
Constata-se, no entanto, a necessidade de aperfeiçoamento do sítio eletrônico disponibilizado pela Secretaria de Recursos Hídricos. No que tange às informações acerca das Bacias Hidrográficas e dos Açudes do Estado, por exemplo, estas são disponibilizadas com riqueza de detalhes, o que permite a população amplo conhecimento da situação dos recursos hídricos do Estado. No entanto, em relação às outorgas de água, o sítio limita as ferramentas de busca e, portanto, a transparência das informações. Deve-se, portanto, facilitar o acesso aos dados, de forma discriminada, para ampliar o controle social sobre a política de recursos hídricos.
O cabimento deste projeto justifica-se por diversos motivos.
De início, a iniciativa parlamentar para proposição legislativa resta demonstrada na medida em que a lei amplia mecanismos de transparência ativa, não criando ou inovando no sistema de competências administrativas.
O objeto da lei é ampliar a transparência da outorgas de água e facilitar as ferramentas de pesquisa. Não se trata de criar competências administrativas. O Estado poderá regulamentar a lei e atribuir ao órgão que julgue conveniente a atribuição para cumpri-la.
Em síntese, o projeto dispõe acerca da forma de publicização das informações.
Ademais, sobre a iniciativa parlamentar, vale destacar o entendimento do Núcleo de estudos e pesquisas do Senado Federal:
Consideramos, destarte, adequada a teoria já aventada pelo Supremo Tribunal Federal (embora não desenvolvida de forma aprofundada) de que o que se veda é a iniciativa parlamentar que vise ao redesenho de órgãos do Executivo, conferindo-lhes novas e inéditas atribuições, inovando a própria função institucional da unidade orgânica.
Perceba-se que, ao se adotar essa linha de argumentação, é necessário distinguir a criação de uma nova atribuição (o que é vedado mediante iniciativa parlamentar) da mera explicitação e/ou regulamentação de uma atividade que já cabe ao órgão[1]. (grifo nosso)
As restrições à iniciativa parlamentar são previstas no texto da Constituição Estadual e não podem ter uma interpretação extensiva. Em seu art.60, dita que:
Art. 60. Cabe a iniciativa de leis:
§2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
c) criação, organização, estruturação e competências das Secretarias de Estado, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, concessão, permissão, autorização, delegação e outorga de serviços públicos;
A princípio, cumpre observar que este projeto não dispõe sobre a organização e funcionamento da administração pública estadual. O projeto limita-se a dispor sobre normas de transparência para as outorgas de água do Estado, exercendo a capacidade de legislar do Parlamento.
José Afonso da Silva define a Administração Pública sob dois sentidos: o objetivo e o subjetivo. Sob o aspecto subjetivo, ela consiste no “conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbêmcia de editar as atividades administrativas” (SILVA, 2007, p.11). Sob o aspecto objetivo, a administração é a própria função administrativa, ou seja, “aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (SILVA, 2007, p.04). O autor afirma, ainda, que a função administrativa é aquela residual em relação às funções jurisdicional e legislativa.
No projeto em apreço não se disciplinou acerca de nenhuma das dimensões, objetiva ou subjetiva, que compõem a administração. Não redesenha a estrutura dos órgãos da Administração, tampouco lhes confere atribuições inéditas, tendo em vista que a transparência já é atribuição da Administração Pública Nada dispõe acerca do funcionalismo público, ou criar cargos, nem altera a estrutura administrativa, das competências ou do orçamento ou modelo de gestão.
Qualquer desdobramento em relação a atribuições dos órgãos deverá ser regulamentado pelo Poder Executivo.
Ademais, a transparência na administração pública já é determinada pela Lei Federal 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).
Art. 6o Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a:
I - gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação;
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. (grifo nosso)
O art. 8º supracitado trata da transparência ativa, ou seja, o dever de publicidade de informações de interesse coletivo independentemente de solicitação prévia. O projeto em apreço visa, portanto, facilitar ainda mais o acesso às informações sobre o uso de água no Ceará.
O acesso à informação também é previsto no no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Na Constituição Estadual, o direito de acesso à informação e de petição, são estabelecidas pelos arts. 7º, 158 e 242. No caso em apreço, além do direito de petição, objetiva-se fortalecer o direito fundamentação de acesso às informações públicas por meio de mecanismos de transparência ativa.
Do exposto, considera-se pelo cabimento da iniciativa parlamentar legislativa, bem como da relevância do projeto em apreço, motivo pelo qual pugna-se pela sua aprovação.
Confira a íntegra da lei