No ano passado, foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no Brasil. Desse total, 135 tiveram como vítimas travestis e mulheres transexuais; e cinco vitimaram homens trans e pessoas transmasculinas. O número é menor do que 2020, quando foram registrados 175 assassinatos de pessoas trans; mas está acima da média que vem sendo registrada desde 2008, de 123,8 homicídios anuais de pessoas pertencentes a esse segmento.
Os dados são do Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021, um estudo realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) com apoio de universidades como a Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal de São Paulo (Unifesp) e Federal de Minas Gerais (UFMG).
Com essas estatísticas, o Brasil fica sendo pelo 13º ano consecutivo o país onde mais pessoas trans foram assassinadas, sendo São Paulo o estado com mais homicídios (25), seguido por Bahia (13), Rio de Janeiro (12) e Ceará e Pernambuco (11). Além dos casos no Brasil, foram identificados dois assassinatos de brasileiras trans em outros países, um na França e outro em Portugal.
Diante desse cenário, e aproveitando a passando do Dia Nacional da Visibilidade Trans, nosso mandato convidou três pessoas a darem seus depoimentos sobre a luta por direitos e contra a violência transfóbicas.
Rebeca: por uma vida sem transfobia
Meu nome é Rebeca, sou uma menina trans que sonha em um dia ter uma vida digna, livre de transfobia. Também sonho com uma maior expectativa de vida e me sinto grata por estar prestes a completar 31 anos de idade, pois muitas não conseguiram chegar a essa idade desse modo, foram humilhadas e assassinadas só por ser quem são. Almejo um dia que uma garota trans tenha emprego, comida, moradia, saúde, educação, segurança, entre outras que são direito básico de todo cidadãos.
Samuel: para além da cultura binária
Eu sou @loucarue, estudante de psicologia e também construo o Movimento Rua no estado do Ceará. No mês da visibilidade Trans, somos todes convidades para refletir e principalmente reconstruir nossas ideias na qual historicamente as sociedades se organizaram numa lógica de padrão dual. E os corpos todos condicionados nessa cultura binária reproduzem um modelo padrão de vida, que oprime outras existências que fogem dessa construção binária entre masculino e feminino.
É necessário entender as ilusões que nós criamos para sobreviver e perceber o quanto as ideias dizem uma verdade social construída, que atravessa a religião, a regra, a norma, o padrão, o hétero, o cis e também o patriarcal; e isso significa exclusivamente oprimir toda a natureza das diversas existências possíveis a que cabem os corpos transgêneros e transexuais.
"O normal está longe demais da liberdade que descobrem os loucos". Essa é uma frase de uma das minhas poesias que fala exatamente sobre como muitas pessoas encontram sua transfobia e escolhem viver com esse medo ou ódio do outro. As barreiras mentais que essas pessoas criam afastam de si próprias a liberdade de criar e recriar as nossas existências; ou mesmo a tolerância, o respeito, a dignidade da pessoa humana, que é constantemente atacada.
Ao contrário dessas pessoas, existem as loucas, as vadias, as putas, as vagabundas, as travestis, as bichas e todas as que resistem à opressão. Somos nós, as que preferem ser livres em si. E sendo livres, temos sonhos. O sonho de ser, de viajar, de encontrar, de viver. Viver. Não apenas como sonho, mas como luta. Viver é também sinônimo de resistir. E é resistindo que construímos nossos sonhos. Os sonhos de muitas que já foram mortas pelo ódio. Lutamos pela vida de todas nós, resistimos pela esperança de um dia reencontrar em nós mesmas todas que foram assassinadas, e com mãos dadas continuamos juntas contra a agressão, a violência, a violação dos nossos direitos.
Juntas para continuar afirmando os espaços que são nossos. A população trans, nesse momento do século XXI, grita por liberdade de ser e de viver.
Maya Eliz Souza: identidades múltiplas
Mulher trans travesti, periférica, cearense, professora, pesquisadora e militante. Múltiplas são as identidades que podem ser assumidas por um corpo. Eu, Maya Eliz, passo por essas que apontei acima, todas elas se fazem e me fazem constantemente. Não é tarefa fácil ser um corpo que materializa tudo isso, sem em nenhum momento poder deixar de ser para aliviar algumas das dores que nos são comuns por existirmos numa sociedade marcada pela violência conosco e pela negação de quem somos, da nossa existência.
Hoje, 29 de janeiro de 2022, Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti, demarcamos nossa existência e sobretudo nossa resistência. Afinal, viver no país que mais mata pessoas trans e travestis significa resistir e lutar todos os dias. Com medo de sermos agredides e até mortes, vivemos e damos nossas caras e nossos corpos a tapa, com objetivo de reconstruirmos a sociedade, de modo que sejamos vistes, respeitades e sigamos vives.
Lutamos e resistimos por sonhar com um país e um mundo em que nossa existência não seja motivo de nenhuma forma de violência. Queremos uma sociedade em que possamos viver plenamente, que sejamos tratades e reconhecides pelo nome, pelos pronomes e pela identidade que nos representa, que possamos usar os banheiros em conformidade com nossas identidades, que possamos ir às escolas e universidades sem sermos violades, que tenhamos acesso ao mercado de trabalho, que tenhamos uma expectativa de vida equiparada a de pessoas cisgênero, que ocupemos espaços de poder e de tomada de decisões, que sejamos atendides de acordo com nossas necessidades ao buscarmos serviços de saúde e, principalmente, que não sejamos mortes por sermos quem somos.
Sonhamos com direitos humanos básicos e como eu acredito que sonhar é lutar, é na luta pelos nosso direitos que eu me encontro. E você?