A sanha ruralista em defesa do veneno e da morte chega ao Supremo Tribunal Federal. No último dia 15 de maio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.137) contra a lei estadual 16.820/2019, resultante de projeto de lei de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) e que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. Com a ação, a entidade quer derrubar a lei cearense e proibir a aprovação de propostas semelhantes em outros estados.
Sancionada pelo governador Camilo Santana (PT), a lei veta a dispersão, por aeronave, em todo o estado, de produtos para combater insetos transmissores de vírus causadores de doenças, e estipula o pagamento de multa para os infratores. Na ADI, a CNA afirma que a legislação cearense viola a Constituição Federal ao se dispor de modo “diametralmente oposto" ao que prevê a regulamentação federal da matéria, que prevê que a competência estadual para o tema é suplementar. A lei teria, assim, invadindo competência privativa da União. Também alega que o dispositivo desrespeita artigos da Constituição que tratam da liberdade econômica, liberdade de iniciativa e atividade agrária.
“A vedação total à pulverização aérea de agroquímicos prejudica sobremaneira os produtores rurais que necessitam de tal meio de aplicação dos defensivos em suas lavouras, para garantir a produtividade de sua terra e garantir a função social de sua propriedade. Veja-se, os defensivos agrícolas são utilizados como remédio para as plantas, de modo que a sua forma de aplicação, em determinados casos, é essencial para a fruição da lavoura e, consequentemente para que não falte alimentos à população. Sendo o Brasil um grande produtor mundial de alimentos, o prejuízo que o agricultor brasileiro verifica com a retirada de uma forma legítima de aplicação de defensivos impacta todo o mundo, não apenas o Brasil”, defendem os argumentos da CNA.
Em entrevista para uma reportagem da Rede Brasil Atual, o pesquisador Fernando Carneiro, integrante do Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), avalia que a ADI é mais um gesto de cunho político do que de proteção dos produtores rurais do estado do Ceara. “Os argumentos não condizem com a realidade. O estado pode legislar e ser mais restritivo. E são levianos ao chamar os agrotóxicos de ‘remédios’. Se fossem, seriam vendidos em farmácias. Fazem isso para maquiar as características desses produtos e enganar a população. Acredito que a ação tem um objetivo político, uma tentativa de inibir outros estados a aprovarem leis semelhantes. No Paraná, um projeto já foi aprovado em uma comissão da Assembleia”, defende.
Estudos científicos desenvolvidos pela Universidade Federal do Ceará (UFC) que detectou alta nos casos de câncer, malformações, abortos e alterações endocrinológicas e até casos de puberdade precoce na população da região da Chapada do Apodi, na divisa com o estado do Rio Grande do Norte. A chamada deriva – as gotículas de agrotóxicos espalhadas pelo vento para pontos distantes do alvo – faz vítimas na Chapada e em diversas outras localidades. "Nós não queremos uma epidemia de câncer. Nós já temos indicativos do aumento de 37% dos casos de câncer infantil nas regiões pulverizadas. Nós queremos a produção de alimentos saudáveis, que não seja nociva ao meio ambiente, aos trabalhadores e trabalhadoras, e às pessoas", defendeu Renato Roseno em pronunciamento na última quarta-feira (22), no plenário da Assembleia Legislativa.
Renato citou reportagem da Agência Pública que constatou um grave processo de contaminação por agrotóxicos da rede de abastecimento de água em mais de 1300 cidades do Brasil; inclusive, cidades cearenses. Também lembrou que, em menos de cinco meses, o lobby do agrotóxico conseguiu aprovar quase 170 novos produtos - muitos dos quais banidos em outros países - junto ao Ministério da Agricultura, chefiado pela ministra Tereza Cristina, conhecida como "musa do veneno" por sua relação com os interesses do agronegócio. "Isso é prova do descalabro que esse pacote tecnológico que o agronegócio quer manter representa em termos de prejuízo para o meio ambiente e para a saúde pública", destacou.
[+] SAIBA MAIS: Confira pronunciamento de Renato Roseno sobre o assunto https://bit.ly/2W1gGwU