No Brasil, tributa-se muito mais os pobres do que os ricos. "Quem ganha até dois salários mínimos paga até 48% da sua renda em tributos, e quem ganha mais que 30 salários mínimos paga só 26%. Isso revela um Estado que tira dos pobres para dar aos ricos. Somos contra essa injustiça fiscal e esse ajuste fiscal. Nós nos insurgimos contra isso e, mais uma vez, o nosso mandato se junta aos sindicatos das categorias para denunciar essa injustiça fiscal que recai sobre o País. Não podemos mais continuar com essa pirâmide tributária invertida, que tira dos pobres para dar aos ricos”, ressalta o deputado estadual Renato Roseno (PSOL).
O mandato apoiou a realização do seminário "Alternativas ao ajuste fiscal: tributação dos ricos e auditoria da dívida pública", realizado nessa terça-feira, 7 de julho, no Auditório Murilo Aguiar da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, numa parceria com o Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público e o Núcleo Ceará da Auditoria Cidadã da Dívida. Durante o seminário, outros dados estarrecedores foram expostos.
Em 12 anos de PT no poder, o percentual dedicado a políticas sociais passou de 13,3% para minguados 15% do Produto Interno Bruto, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no Brasil, e os investimentos no Orçamento Geral da União, que eram de 1,71% do PIB, caíram para 1,54%. Enquanto o Governo Federal paga 980 bilhões de reais para o sistema financeiro, destina apenas 25 bilhões de reais para o Bolsa Família, que é um programa de transferência direta de renda a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O Brasil é a sétima potência econômica mundial, mas o 13º país em concentração de renda no mundo.
Abrindo o debate e apontando dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o deputado Renato Roseno questionou que a parcela ocupada pelo trabalho na economia brasileira tenha diminuído nos últimos 50 anos. "É meio século pra pensarmos a sociedade brasileira e a sua economia. Entre 1959 e 2009, o capital ficou mais capital, o capital ficou mais rico e o trabalho participa de uma fração menor da economia brasileira".
O parlamentar do PSOL observa que, ao falar da distribuição da riqueza nacional, não se deve confundir com a distribuição da renda. "Se alardeia, às vezes por demais, uma certa inclusão pelo consumo, uma certa cidadania do consumo, que não é cidadania. O mercado de consumo de massas não representa necessariamente acesso a direitos. Você pode até ter comprado a linha branca, ter comprado a moto em 60 meses, mas o SUS, o SUAS, os serviços de educação continuam na década, mesmo sob a Era Lula e Dilma, com percentuais de investimento bastante restritos", afirmou, referindo-se ao Sistema Único de Saúde e ao Sistema Único de Assistência Social.
"Os dados de 14 funções vinculadas direta ou indiretamente com políticas sociais nos dão conta de que, em 2002, havia 13,3% do PIB dedicado a políticas sociais, mas no ano passado, 15%, ou seja, um aumento de 1,70% do PIB brasileiro", apontou Renato Roseno, depois de afirmar que o investimento no Orçamento Geral da União era da ordem de 1,71% do PIB em 2002, mas caiu para 1,54% em 2014.
O representante do Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público, Adriano Custódio, ressaltou que o ajuste fiscal impacta diretamente o serviço público, na medida em que contingencia os orçamentos e retira os direitos dos trabalhadores. "O serviço público, quanto mais abrangente for, mais nos fará uma sociedade melhor. É a melhor forma que tem de melhorar a vida das pessoas, sobretudo daquelas que mais necessitam. Não há só uma verdade absoluta ao ajuste fiscal, as alternativas estão aí”, reforçou.
A auditora fiscal da Receita Federal e membro do Instituto Justiça Fiscal, Clair Hickman, lembrou que a Constituição Federal prevê princípios de justiça fiscal, como o da "capacidade produtiva", pelo qual cada pessoa contribui com o Estado de acordo com a própria situação econômica. Ela questionou que o sistema tributário cumpra um "papel perverso", quando deveria ser um instrumento para distribuição de renda, não um meio de concentração ainda mais. O Brasil é o 13º país em concentração de renda no mundo.
"Estamos muito distantes do Brasil que queremos. Temos uma carga tributária altíssima, somos a sétima potência econômica mundial, mas temos o IDH muito baixo. A população praticamente não tem privilégios no uso de serviços públicos. Não temos saúde nem educação de qualidade”, ponderou. Anderson de Albuquerque, coordenador do núcleo Ceará da Auditoria Cidadã da Dívida, referindo-se ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e trazendo para o debate dados da conjuntura atual, marcada pelo aumento de tarifas, juros e tributos para consumidores e trabalhadores.
No entendimento do auditor fiscal Marcelo Lettieri, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional-Ceará), a grande questão acerca do sistema tributário brasileiro é "quem paga a conta?". "Temos que sair dessa armadilha de discutir o tamanho da carga tributária para discutir a distribuição do ônus tributário. Passamos a ser o paraíso fiscal das grandes fortunas. Queremos ter contas públicas equilibradas e, para isso, é preciso buscar alternativas que não pesem nas costas dos mais pobres e dos trabalhadores", complementou
Capitalismo à brasileira e o exemplo grego
O deputado estadual Renato Roseno questionou o capitalismo à brasileira, que se baseia em tirar dos pobres para dar aos riscos. "Sem dúvida alguma, ele não se sustenta sem esse processo de transferência da 'bolsa banqueiro'", insistiu, apontando que o Governo Federal assegura 25 bilhões de reais para a Bolsa Família, enquanto paga 980 bilhões de reais para o sistema financeiro.
Na avaliação do parlamentar do PSOL, o exemplo que a Grécia, recentemente, deu ao mundo, não aceitando as condições de credores do país para receber ajuda financeira, fortalece a esperança. "O direito à recusa é um direito fundamental para afirmar a nossa dignidade", interpreta. A Grécia não realizou o pagamento de uma parcela de 1,6 bilhão de euros, o equivalente a 5,6 bilhões de reais, de um empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) até o fim do prazo estabelecido.
Um referendo foi convocado pelo governo grego e a população decidiu no domingo, 5 de julho, com 61,3% dos votos, recusar as condições dos credores. As medidas exigidas pelos parceiros europeus incluíam aumento de impostos e cortes nas aposentadorias. A decisão é inédita. Até hoje, nenhuma das economias consideradas desenvolvidas havia deixado de pagar um empréstimo concedido pelo FMI. Atualmente, a Grécia deve um total de 271 bilhões de euros, cerca de 948,5 bilhões de reais.
"Quem sabe, 25 séculos depois das contribuições que os gregos deram ao mundo ocidental veio uma outra contribuição dos gregos, que, sim, é possível enfrentar o poder despótico... Isso, pra nós, é fundamental! A política nasceu na Grécia, no teatro, na ágora, como o debate público sobre as nossas expectativas sobre nós e sobre o mundo. 25 séculos depois, vemos de novo o debate sobre as nossas expectativas sobre nós e sobre o mundo, tendo naquele lugar, na Grécia, uma grande inspiração", avaliou Renato Roseno, na abertura do seminário "Alternativas ao ajuste fiscal: tributação dos ricos e auditoria da dívida pública".
Ao afirmar que o seminário é inspirado pelo direito de recusa, o deputado trouxe o exemplo da Grécia para refletir sobre o Brasil. "Talvez venha dos gregos um sentimento de que não é se aliando aos nossos adversários que nós iremos sobreviver. Não é se aliando a Kátia Abreu, não é se aliando ao Joaquim Levy, não é se aliando ao Bradesco, ao Itaú, não é se aliando aos bisnetos e trinetos da Casa Grande... Não é essa aliança que nos interessa. Sobretudo nos interessa essa altivez, esse "não", esse "não" como potência, esse "não" como recusa, como direito à dignidade, de que nós não venderemos a nossa dignidade", destacou, citando a ministra da Agricultura e o ministro da Fazenda, considerados representantes do agronegócio e do mercado, respectivamente, no Governo Federal.
Ao reforçar que os gregos deram uma "gigantesca" contribuição ao mundo, Renato Roseno justificou apoio ao seminário por estar em um mandato da Frente de Esquerda, formada pelo PSOL, PSTU e PCB, que está aliada à luta dos trabalhadores, e também por ser um militante socialista e um trabalhador, servidor público federal da carreira de analista técnico de políticas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social. "Estamos juntos ideologicamente, filosoficamente, juntos na rua".
O deputado ressaltou a importância da batalha no campo das ideias e nas ruas, principalmente no contexto atual, "momento em que a cidadania brasileira se vê atravessada por uma corrente ultraconservadora", representada por "setores velhos, reproduzindo valores de um aburguesamento, de um obscurantismo impressionante, abjeto, repugnante, repulsivo de fato", com "uma agenda de hiperencarceramento dos pobres, de destituição de direitos, de criminalização da pobreza". E concluiu: "Vamos vencer a batalha das ideias, mas temos também que vencer a batalha das ruas".