Ambientalistas e movimentos sociais estão acompanhando a proposta que tramita no Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará (COEMA) e que flexibiliza os processos de licenciamento ambiental para a implementação dos parques de energia eólica. Mesmo considerada uma fonte de energia limpa, este tipo de empreendimento tem resultado em degradação ambiental e violações de direitos, sem falar na vulnerabilização das comunidades e de seus modos de vida.
Uma audiência pública na sede da Semace havia sido marcada para o dia 3 de maio, como forma de permitir à sociedade civil discutir melhor o tema. Segundo a Secretaria Executiva do COEMA, devido à impossibilidade da participação de vários conselheiros, o encontro foi remarcado para o dia 10 de maio, às 14h. Para pesquisadores e militantes da área ambiental, o momento é de renovar a crítica às experiências jé em andamento e fortalecer a posição contrária ao modelo proposto, dizendo não à flexibilização.
“As eólicas produzem menos impactos que outras fontes de energia, mas estes existem. Na zona costeira, como mostra a experiência do Ceará, não houve o devido cuidado até aqui com dunas, manguezais e com as próprias comunidades quando da instalação dos parques”, aponta Alexandre Costa, professor titular da Universidade Estadual do Ceará e pós-doutor em ciências atmosféricas pela Universidade de Yale (EUA). “Esses problemas aconteceram mesmo nos marcos da legislação vigente, o que nos faz crer que se acentuariam com normas mais flexíveis”, reforça.
Para Alexandre, as eólicas são necessárias para a transição para uma matriz energética mais limpa, que não traga os impactos desastrosos, por exemplo, das termelétricas, que, além do consumo de água, contribuem para acelerar o aquecimento global. Isso, entretanto, não significa que a implantação de parques eólicos possa se dar sem o devido cuidado com seus impactos.
Entre outros efeitos, a instalação de uma usina eólica traz impactos negativos relacionados ao desmatamento e soterramento de dunas fixas e lagoas interdunares; privatização de terrenos antes plenamente utilizados como territórios das comunidades tradicionais e indígenas; alterações na dinâmica dos lençóis freáticos; e ameaça a espécies como os morcegos, em função das mudanças bruscas de pressão no entorno das pás dos aerogeradores. E, não raro, esses impactos têm repercussão regional ou mesmo continental.
JUSTIÇA AMBIENTAL - Atualmente, o Ceará é o quarto maior produtor de energia eólica do País e deve chegar a atingir a marca de 2,6 GW (giga watts) de capacidade instalada nos próximos anos, o que lhe colocaria na terceira posição do ranking nacional. A projeção é do Centro de Estratégias de Recursos Naturais e de Energia (Cerne), entidade multisetorial que desenvolve projetos ligados a energias renováveis no Nordeste. Essa capacidade, uma vez instalada, vai representar cerca de 1500 aerogeradores em operação no Estado. O Cerne, entretanto, também prevê que o Estado dispõe de 80 GW de potencial eólico acumulado, o que levaria esse número ao patamar de mais de 40 mil aerogeradores.
O professor Joevah Meireles, do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia que essa escalada dos projetos de energia eólica no Ceará precisa ser acompanhada de estudos integrados e multidisciplinares para a correta formulação de políticas públicas. Também defende que esse ordenamento seja fundamentado pelos princípios de justiça ambiental. “Especialmente pelos princípios da equidade, do direito à informação e da ampla participação da sociedade nas etapas do licenciamento”, destaca.
Segundo o professor Alexandre Costa, a proposta de simplificação do licenciamento de parques eólicos é “um grave erro”. “Há a incoerência de usar o argumento de menor impacto ambiental quando o governo do estado nada faz para inibir o avanço das termelétricas, que continuam demandando água em quantidade incompatível com a realidade de um estado cujo território está em sua quase totalidade no semiárido”, alerta. “Pelo contrário, elas continuam com generosas renúncias fiscais para queimar carvão e gás natural, aumentando a galope as emissões de CO2 de nosso estado”.
CASO A CASO - Entre outras críticas, os ambientalistas apontam a fragmentação das licenças, que não consideram a cumulatividade dos impactos de tais empreendimentos. Além disso, há denúncias de “displicência” na avaliação dos projetos, que são realizados sem os devidos critérios técnicos.
“A avaliação caso a caso, que temos hoje, não é capaz de nos dizer o real tamanho do problema”, aponta o biólogo e consultor ambiental Thieres Pinto. Ele cita como exemplo dessa falta de escala os estudos de impactos de uma central eólica com 12 aerogeradores em determinada região. Em geral, segundo ele, esses estudos indicarão que não há grandes problemas naquele empreendimento desde que certas medidas de manejo sejam tomadas. “Porém, se considerarmos que em tal região já existem 300 torres, divididas em pequenos parques de 10, 15 torres, aí teríamos uma situação preocupante onde a magnitude dos impactos seria outra”, denuncia.
Para Thieres, atualmente, o licenciamento ambiental no Ceará é “uma falácia”. “Estamos vivenciando um momento onde o papel de um instrumento de gestão importantíssimo como o licenciamento ambiental está sendo entendido como um entrave ao ‘desenvolvimento’. Partindo desse preceito, observamos os ritos de licenciamento cada vez mais desrespeitados”, denuncia. Segundo o biólogo, os estudos, em geral, não são informativos, não trazem caminhos para a redução de impactos ambientais e nem identificam o processo de gestão de empreendimentos potencialmente danosos.
“Especificamente no licenciamento das eólicas, hoje não há estudos que apontem a biodiversidade a ser atingida, não se apresentam possíveis alternativas aos impactos inerentes a estes empreendimentos, não se elencam ações (existem muitas técnicas capazes de reduzir impactos de empreendimentos eólicos) e não se implementa qualquer ação de manejo que reduza os impactos à biodiversidade”, defende. (Foto: Divulgação)