O Ceará é o terceiro Estado do Brasil com o maior número de Mortes Violentas Intencionais (MVI). Os dados, referentes ao primeiro semestre de 2020, são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, divulgado no último domingo, 18. Ao todo, foram 2.340 vidas perdidas no estado de janeiro a julho deste ano. Um aumento de 96,6% em comparação com o mesmo período de 2019, que vitimou 1.190 pessoas.
Mesmo durante a pandemia, essa estatística da violência continuou aumentando. De forma geral, os homicídios têm crescido no Brasil desde o último trimestre de 2019, o que caracteriza o nono mês seguido de crescimento nas mortes violentas. O Ceará, no início de 2020, viveu uma crise na área de segurança pública com a greve da Polícia Militar, que durou 13 dias, em fevereiro. De acordo com o anuário, esse cenário teve impactos relevantes nos indicadores trazidos em relação ao primeiro semestre.
“Temos acompanhado e apontado esses dados junto ao Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA). Em 2019, houve uma queda nos homicídios que não era sustentável, porque as causas estruturais da violência não haviam sido enfrentadas. Essa violência é reflexo da segregação. Nossa principal estratégia de superação desse quadro tem de ser um amplo programa de prevenção social nos territórios mais violentos, com enfoque na população da segunda década de vida”, destaca o deputado estadual e relator do CCPHA, Renato Roseno (PSOL).
No que diz respeito às mortes decorrentes de intervenção policial, o Anuário traz um cenário preocupante em relação ao ano de 2019. No total, em todo o país, foram 6357 mortes e o estudo evidencia o perfil dessas vítimas: 99,2% homens, 79,1% negros e 74,3% jovens de até 29 anos. Os cenários trazidos pela pesquisa demonstram a desigualdade na vitimização de grupos de raça, etários, de classe e gênero nos padrões já conhecidos historicamente.
“O perfilamento das vítimas também demonstra a segregação que é social, racial e espacial. Nós devemos abranger o enfoque étnico-racial e de gênero em todas as políticas de prevenção”, completa Roseno.
Para a assessora técnica do CCPHA, Daniele Negreiros, o perfil destacado na pesquisa é preocupante e recorrente. "Temos falado disso desde a primeira pesquisa do Comitê e temos percebido essa "construção do inimigo" muito pautada nessa suspeição criminal do jovem preto, pobre e periférico. Então, temos vários marcadores sociais dessa diferença, mas a raça é o principal deles. Ela vem carregando uma relação muito íntima com a morte, com o desejo de eliminação do outro", expõe.
A categoria Mortes Violentas Intencionais (MVI) agrega as tipologias “homicídio doloso”, “lesão corporal seguida de morte”, “latrocínio” e “mortes decorrentes de intervenção policial”, representando o total de vítimas de mortes violentas com intencionalidade definida em determinado território.
Carta aberta ao Governo do Estado
No último dia 15, junto com outras 40 instituições, o mandato “É Tempo de Resistência”, do deputado Renato Roseno, assinou uma carta aberta ao governador Camilo Santana, tratando sobre homicídios e mortes por intervenção policial no Estado. Um dos casos destacados na carta é o do adolescente Mizael Fernandes, de apenas 13 anos, morto em uma operação do Comando Tático Rural, no município cearense de Chorozinho, na madrugada do dia 1º de julho deste ano. O documento manifesta a preocupação das entidades em relação ao aumento dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) e das mortes por intervenção policial no Estado.
Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência
Instituído em 2016 na Assembleia Legislativa do Ceará, o CCPHA tem o objetivo de compreender o fenômeno da violência entre os jovens – com foco na faixa etária de 10 a 19 anos – para, a partir daí, elaborar propostas de políticas públicas que apontem para a prevenção e a redução de homicídios cometidos por adolescentes e contra adolescentes no Ceará.
No último relatório semestral Cada Vida Importa 2019.2, o documento realizou um monitoramento dos dados sobre homicídios na adolescência no Ceará e fez uma análise do panorama das mortes violentas não esclarecidas. O relatório toma como base um levantamento do Governo do Ceará, feito em 2019, sobre o número de óbitos violentos ou suspeitos cuja origem não foi investigada.
O documento revela que, de 2014 a 2019, não houve definição sobre a morte de 219 crianças e adolescentes; e, em 2018, foram registrados 921 óbitos em tal situação. Com esses números, o Ceará ocupa a quarta posição entre as 24 unidades federativas que forneceram dados sobre mortes a esclarecer ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017 e 2018. Já em 2019, esse cenário diminuiu. No entanto, ainda gera preocupação. Em 2020, esse cenário perpetua, ao todo, de acordo com o Anuário, são 685 mortes não esclarecidas. (Texto: Evelyn Barreto / Foto: CCPHA)