17 de março e 2014
Cláudia da Silva Ferreira, morta com um tiro é colocada em um porta mala, do carro da polícia, de onde cai e é arrastada pelas ruas. Cláudia era mãe de quatro filhos e ajudava a cuidar de quatro sobrinhos, como é comum nas famílias pobres.
21 de março de 1960
Em Johannesburgo, na África do Sul, 20.000 pessoas faziam um protesto contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. Porém, mesmo tratando-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo sobre a multidão desarmada resultando em 69 mortos e 186 feridos. Em memória a este massacre a Organização das Nações Unidas – ONU – instituiu 21 de março o dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial.
25 de março de 1884
Data que marca a libertação do escravos no Ceará, fruto de muita luta que começa bem antes e que tem no Chico da Matilde, o Dragão do Mar, um símbolo de enfrentamento e resistência. Nessa história, que pode ser contada de trás pra frente, queremos falar de Claudia, de quem ficamos íntimos e sabemos agora sua profissão, o número de filhos, o nome do companheiro, onde vivia. Até sua Carteira de Identidade, algo tão pessoal, circulou em todos os jornais, e redes sociais.
Cláudia nascida mulher e negra, que até sua morte vivia como milhões de outras mulheres negras: enfrentando as condições imposta à maioria delas, qual seja a submeter-se a trabalhos sub-humanos, subalternos, ganhando menores salários, mulheres que não ocupam os bancos das universidades, não são cientistas, nem artistas plásticos, arquitetas ou médicas,( vejam que susto a elite brasileira levou com tantas médicas negras vindos de Cuba).
Claudia repetiu na sua história milhões de destinos: mulheres negras devem ser babás, domésticas, operárias, ser faxineira, na sua maioria não tem acesso serviços de saúde, moradia digna e se deslocam todos os dias em condições absurdas.
Sua história se encontra com a de Lucia, que trabalhando há 35 anos no mesmo hospital, ao tirar o uniforme e se dirigir ao refeitório, é indagada se está acompanhando algum paciente. 35 anos invisível. Com a história da Francisca, cujo netinho tem a pele mais clara e é sempre perguntado a ela se é a sua babá.
É esse lugar previsto para a mulher negra.
Um lugar herdado do passado(presente) escravocrata. Uma condição que se perpetua na memória, na cultura, no cotidiano e na ordem social, onde a mulher negra que teve(tem) seu corpo explorado na lavoura e na casa grande, deve ser invizibilizada, feito a propaganda de uma grande loja de roupas femininas, em que aparecia apenas as mãos da mulher negra vestindo e enfeitando uma mulher branca, tal qual na época da escravidão (era uma propaganda para comemorar o dia internacional da mulher).
Tão naturalizado e incorporado, que ninguém reconhece se tratar de racismo. Mas, também, onde desnudam seu corpo, pintam e apresentam como espetáculo. Porque é esse outro lugar que se pretende à mulher negra: lugar de coisa sexual.
A história se mistura e se confunde. Rio de Janeiro, África do Sul, Ceará e que mesmo contada ao revés chegaríamos ao mesmo lugar. Ao lugar de periferia que ainda se encontra o povo negro.
Por isso, que ao identificar a Cláudia, identificamos todas as mulheres negras que partilham o mesmo destino e ao nomear, revelamos identidades, lugar, gestos, voz.
Nome: Cláudia da Silva Ferreira. Idade: 43. Raça: negra. Estado civil: casada. Quantidade de filhos: 4. Profissão: auxiliar de limpeza. Endereço: Morro da Conconha, Madureira, subúrbio do Rio de janeiro. Saiu para comprar pão, foi morta com um tiro. Arrastada por 350 metros como se coisa fosse. Como se nada valesse. 17 de março. 21 de março. 25 de março. Todo dia.
*Margarida Marques - Comunicadora Social. Militante de Direitos Humanos. Negra Ilustração: Flávia Totoli