Momento histórico! A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (11), o projeto de lei de 94/2023, de autoria do governador Elmano de Freitas, que autoriza o Poder Executivo a efetuar o pagamento de indenização às famílias e vítimas da “Chacina do Curió”. O trágico episódio deixou 11 pessoas mortas, em sua maioria jovens, e outras sete vítimas sobreviventes, em novembro de 2015.
“Hoje se fez história. É um o reconhecimento da responsabilidade do Estado na Chacina do Curió por via dessa indenização”, reforçou o deputado estadual Renato Roseno (Psol), que foi o relator da matéria. “Nada paga a vida de um filho morto por agentes de Estado e a a dor que essas famílias, sobretudo as mães, têm sofrido, mas pior que isso é não haver resposta alguma”, acrescentou o parlamentar.
Renato ressalta que a aprovação desta matéria, que além da indenização inclui uma pensão para as famílias e sobreviventes, tem um papel importante do ponto de vista jurídico. “O Estado assume, na casa do povo, no parlamento, sua responsabilidade. Não esperou por via jurídica. A tradição dos estados é esperar a sentença judicial, que individualmente as famílias têm que mover pelos labirintos da Justiça, que enfrentam longos trajetos de responsabilização. Aqui, foi um feito ético e político importante”, define.
A lei aprovada define que serão pagas indenizações ao núcleo familiar da vítima falecida ou às vítimas inválidas totalmente, com capacidade laboral reduzida ou com abalo psicológico. A iniciativa contempla ainda pensão para viúvo(a), companheiro (a) e filhos de vítima falecida, filhos sem viúvo, pai/mãe de vítima falecida, vítima inválida ou vítima com redução da capacidade laboral. Em alguns casos, de forma vitalícia.
Na mensagem à Alece, o governador Elmano de Freitas ressaltou que situações como essas são “inadmissíveis sob qualquer contexto, ainda mais quando ocasionadas por pessoas incumbidas de zelar pela segurança e proteção do cidadão”, diz o texto. “O Governo do Ceará não compactua e jamais compactuará com esse tipo de ação, razão pela qual vem empreendendo todos os esforços, através dos órgãos competentes, no sentido de punir os responsáveis pelo ocorrido, na forma da lei", completou.
Entenda o caso
A partir da noite do dia 11 de novembro, policiais militares assassinaram, em ação simultânea, 11 pessoas e feriram outras sete, na Grande Messejana, em Fortaleza, segundo investigação Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e do Ministério Público do Ceará (MPCE). Algumas chegaram a ser retiradas de suas casas e atingidas nas costas e na cabeça. Nenhuma delas tinha qualquer envolvimento com ações delituosas. A ação teria sido motivada por um “justiçamento” — justiça pelas próprias mãos — pela morte de um colega, vítima de latrocínio, horas antes.
O MPCE denunciou 44 agentes envolvidos. Destes, 34 foram pronunciados para ir a júri popular. Até agora, 20 foram julgados e, destes, seis foram condenados.
Acompanhamento
Desde os bárbaros assassinatos, o mandato do deputado estadual Renato Roseno acompanha o caso e isso se intensificou ao assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC). Ainda em 2015, cobrou a apuração dos homicídios e proteção das vítimas sobreviventes, familiares e testemunhas. Nos anos seguintes, audiências públicas e reuniões técnicas foram realizadas. O apoio psicológico e psiquiátrico, uma das medidas não monetárias que busca a reparação de danos causados também tem sido uma forte luta do grupo de famílias afetadas pela criminosa ação da polícia.
A partir também da atuação do mandato do deputado estadual Renato Roseno, foi aprovada sua lei que institui a Semana Cada Vida Importa, que ocorre de 11 a 14 de novembro, em memória à data da chacina. A proposta mobiliza Fortaleza e outros municípios do interior para o debate sobre a prevenção aos homicídios de jovens no Ceará. Já foram realizados, de 2018 para cá, cinco edições em articulação com o Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará.
Em 2016, familiares das vítimas ergueram o Movimento Mães e Familiares do Curió para lutar pela memória e justiça por seus filhos e entes queridos que foram executados na chacina. O grupo expandiu para além da capital cearense e virou semente para a criação do Movimento Mães Vítimas Por Violência Policial do Estado do Ceará, conhecido como Mães da Periferia. A iniciativa é, em sua maioria, composta por mães que lutam, diariamente, pela justiça e pela memória dos seus filhos, reforçando a inocência das vítimas. "As mães não desistiram. Fizeram do luto luta. E como sempre digo: para nunca se esqueça e para que nunca mais aconteça”, finaliza Renato.