O Ceará comemora nesta quarta-feira, 25 de março, 131 anos da abolição da escravidão e o pioneirismo de ter se antecipado em quatro anos ao Brasil, onde a Lei Áurea foi assinada em 13 de maio de 1888. Passado todo esse tempo, ainda temos uma sociedade racista, sem direitos iguais para negros e brancos. "Todos os indicadores socioeconômicos apontam para a desigualdade racial", observa o deputado estadual Renato Roseno.
Entre os direitos violados está o principal deles, que é o direito à vida. "Precisamos fortalecer a luta contra o extermínio da juventude negra e contra a violência que atinge as mulheres negras", defende o parlamentar do PSOL. Jovens negros no Brasil correm 2,5 vezes mais risco de morrer do que um jovem branco. No Nordeste, esse perigo é de cinco vezes, o maior entre as regiões – o menor índice é da região Sul: 1,08.
Com exceção do Paraná, onde o jovem branco tem mais chance de ser vítima de homicídio que o jovem negro, todas as outras unidades da federação têm maior risco de morte por homicídio para jovem negro. O Estado da Paraíba está na liderança, com 13 vezes mais risco de um jovem negro ser assassinado. No Ceará, o sétimo da lista, o perigo é quatro vezes maior. Além disso, nosso Estado é o quarto no Índice de Violência e Desigualdade Racial, com uma posição considerada muito alta na escala de vulnerabilidade.
Os dados são da pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que aponta o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ), numa população de 12 a 29 anos de idade. O estudo calculou as taxas de acordo com as informações do DataSUS, banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), de 2012, ano em que 76,5% dos jovens assassinados eram negros ou pardos e 23,5% brancos.
O Ceará e o Brasil aboliram a escravatura, mas ainda convivemos com o trabalho escravo, que atinge mais os negros, com o racismo institucional, que impede ou dificulta o acesso ao sistema de Justiça e aos serviços públicos, como o Sistema Único de Saúde. A desigualdade racial se revela também nas dificuldades de acesso à educação e à permanência na escola e na universidade, nas dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e nas diferenças salariais.
Assim como o Brasil não é o país da democracia racial, a Terra da Luz também é um mito. “A elite se utiliza da luta e da denúncia de um homem mulato, o Chico da Matilde, que se rebelou contra o tráfico de escravos, contra a escravidão de homens como ele, e cria a ideia de uma democracia racial que não existe”, avalia o deputado Renato Roseno, referindo-se a Francisco José do Nascimento, que ficou conhecido como Dragão do Mar, expressão utilizada pelo escritor Aluísio Azevedo para homenagear o pescador que se envolveu na campanha abolicionista.
Sob o comando de Chico da Matilde, então segundo prático na zona portuária de Fortaleza, os jangadeiros cearenses fecharam o porto da Capital ao embarque de escravos, em agosto de 1881, dificultando o tráfico negreiro. Antes e depois desse episódio, alguns escravos já estavam sendo libertados em consequência da luta das sociedades abolicionistas recém fundadas. Durante participação no Congresso Abolicionista, realizado em Maranguape, no dia 26 de maio de 1881, Chico da Matilde, que teve o nome da mãe incorporado ao seu, se sensibilizou com a causa pela libertação dos escravos e chegou a esconder alguns alforriados em casa, nas imediações do equipaento cultural que hoje recebe o seu nome, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
Eventos como o Congresso Abolicionista e as greves dos jangadeiros contribuíram para o crescimento da campanha abolicionista na Província do Ceará, com o aumento do número de alforrias entre os anos de 1881 e 1884. “Mas a ideia de Terra da Luz não pode mascarar a desigualdade e o racismo que vivemos”, contrapõe-se Renato Roseno, que visitou o município de Moraújo no último sábado, 21 de março, para conhecer e fortalecer a luta da comunidade quilombola de Timbaúba.