Os investimentos em assistência social para crianças e adolescentes despencaram nos últimos em Fortaleza, justamente o período em que a cidade se tornou uma das mais violentas do país em relação a homicídios nessa faixa etária. O orçamento da área, em valores executados, que chegou a ser de quase R$ 10 milhões no fim da década passada, em 2017, mal chegou a R$ 500 mil. O alerta é da assistente social Francimara Carneiro, membro da coordenação colegiada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará), que produziu uma nota técnica sobre o assunto. Ao lado de Renato Roseno, Francimara participou do debate "28 anos do ECA e a violação de direitos contra adolescentes", realizado na tarde de sexta-feira (13), no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS).
"O Cedeca faz o monitoramento do orçamento desde 1999. E já naquela época nós denunciávamos, dizendo que era pouco recurso, que era insuficiente para aquele contexto. Nós estamos em 2018, com um contexto ainda mais complexo e o que há em termos de recursos é bem menor", denuncia Francimara, que também destaca a ausência de profissionais para executar as políticas. "Não há gente pra fazer. As atividades que a gente faz no Cedeca, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), são atividades que atendem pessoas em vulnerabilidade social e são atividades que precisam de recursos humanos. Não adianta você ter 20 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) se você não tiver quem dirija e quem vá fazer os atendimentos, tem que ter gente".
De acordo com o Cedeca, o investimento em assistência social à criança e ao adolescente em 2016 foi o mais baixo dos últimos 14 anos e, em 2017, o valor executado continuou caindo, chegando a um patamar abaixo de R$ 500 mil. No que se refere à arrecadação do município de Fortaleza, entretanto, houve um aumento substancial da arrecadação total, indo de R$ 1,6 bilhão, em 2003, para R$ 6,25 bilhão em 2016. A nota técnica do Cedeca evidencia a baixa execução orçamentária dos recursos em programas e políticas para crianças e adolescentes. "Os dados analisados apresentam um grande contraste com o aumento de receitas próprias, indicando que a solidez fiscal não resultou no atendimento ao Princípio da Prioridade Absoluta de crianças e adolescentes", diz o texto.
No âmbito estadual, os números do Cedeca mostram uma disparidade crescente entre os gastos com segurança social e os gastos com assistência. Em 2001, foram gastos pelo governo do Estado R$ 207,2 milhões com segurança e R$ 107,2 milhões com assistência social. Ou seja, há 17 anos, o Ceará gastava com segurança pouco mais de duas vezes o que gastava com assistência. A relação entre esses gastos foi se distanciando e, em 2017, a proporção chegou a quase dez vezes mais. Foram R$ 797,3 milhões gastos com segurança contra R$ 84,4 milhões gastos na assistência social.
Para Renato Roseno, achar que redução de homicídios só se dará com aumento de gastos em policiamento ostensivo e repressão é não querer enfrentar um problema que é muito mais complexo. "A redução do número de homicídios só é possível com o concurso de ações de proteção social, qualificação urbana e ações territoriais. Além disso, o hiperencarceramento gerado pela política repressiva só faz explodir a violência, dentro e fora dos presídios. Não é possível acreditar que haverá êxito numa gestão que gasta tanto em repressão e tão pouco em assistência e promoção social".
Relator do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência, Renato abordou os números do relatório Cada Vida Importa, produzido pelo colegiado e que traz um amplo panorama da situação de violência letal vivida por jovens nas periferias de Fortaleza e mais sete cidades do Estado. "Em 2005, o Ceará era o 17o. estado brasileiro em número de homicídios de adolescentes. Em 2014, o Ceará passa a ser o segundo. Você tem um salto, uma juvenilização dos homicídios", destacou o deputado, que afirmou que esses homicídios são marcados por questões de classe, gênero e raça. "Em sua grande maioria, essas vítimas são jovens, negros, do sexo masculino e moradores das periferias urbanas. Nos últimos anos, porém, há um preocupante aumento do número de vítimas do sexo feminino", concluiu. (Foto: Felipe Araújo)
Confira a nota técnica do Cedeca: https://bit.ly/2NcXJyy Confira a íntegra do relatório Cada Vida Importa: http://cadavidaimporta.com.br