O Protocolo de Consulta do Povo Tapuya-Kariri foi lançado, na última terça-feira (14), em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece). O documento é um instrumento de luta e defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, composto por regras feitas pelos moradores do próprio território em relação aos empreendimentos de potencial impacto, sejam públicos ou privados.
O trabalho foi feito a partir do Projeto Tucum, conduzido pela Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido (ADELCO), pelo Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), pelo Escritório Ybi de Advocacia Popular Indígena, em parceria com a Associação Indígena Tapuya Kariri, e financiado pela Fundação Rosa Luxemburgo e União Europeia. A publicação pode ser acessada AQUI.
Autor do requerimento da audiência pública, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) lembra que o Protocolo foi instituído para que os projetos pensados nos territórios indígenas respeitem a consulta prévia, livre e informada, conforme prevê a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “O Brasil como Estado ratificou, muito por pressão dos povos indígenas, uma Convenção 169”, ressalta.
“Dentre outras coisas, a Convenção impõe que, toda vez que houver uma intervenção do Estado ou privada, iniciativa legislativa ou decisão judicial relativa, ela deve ser precedida de uma consulta. A consulta tem que ser prévia, ou seja, anterior à intervenção; livre, para que não haja constrangimento ao povo; e informada, com todas as possibilidades e consequências do que pode acontecer”, explica o parlamentar.
O território
O Povo Tapuya-Kariri vive na Serra da Ibiapaba, na aldeia Gameleira. Lá, moram cerca de 1083 pessoas, que encaram uma série de conflitos na região, como a luta pela terra e, mais recentemente, o avanço de uma empresa privada, que quer instalar um parque eólico ali. Diante disso, o movimento indígena entrou com um processo de demarcação em 2007, aguardando agora a nomeação do Grupo de Trabalho para realização do estudo para delimitação da área.
Cacique do Povo Tapuya-Kariri, Luiz Marcos Gomes, enfatiza que historicamente os povos indígenas têm seus direitos negligenciados. “Fomos oprimidos, massacrados e alguns povos até extintos”. Na sua visão, o protocolo veio para reafirmar a identidade ancestral daquele território. “A gente sabe que o Ceará um dos estados mais atrasados em demarcação de terra do país. Então, o nosso protocolo surge em um momento de muita falta de respeito ao nosso território para proteger, por mais que o Estado brasileiro não faça cumprir suas leis. Nós sabemos que nós existimos e não deixaremos de lutar”, garante.
Adriana Tremembé, liderança da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, enxerga que o protocolo é mais uma ferramenta para que os povos indígenas possam se sentir mais seguros. “É importante que todos os povos possam criar seus protocolos. É mais uma ferramenta para nos nortear. São vários momentos que planejamos e demonstramos como queremos ser ouvidos”, entende.
Ela entende que o instrumento se torna ainda mais importante no Ceará, pois concorda que estado como um dos mais atrasados em matéria de demarcação. “Só temos duas terras homologadas até hoje”, enumera Adriana. A líder indígena lembra que a da Serra da Ibiapaba e o litoral cearense têm sido alvos de projetos de implementação de torres eólicas. “A gente precisa uma forma de defesa ao nosso mar sagrado, pois ele é muito bem ocupado pelos seres da natureza. É lá que tiramos o alimento, que é o pescado. Precisamos proteger o alimento, nossas marisqueiras, nossos pescadores”, acrescenta, lembrando a modalidade off shore, ou seja, dentro do mar.
Já a liderança Anacé, Roberto Anacé, lembrou que os protocolos estão sendo desrespeitados em solo cearense. “O nosso foi o primeiro escrito no Ceará, porque entendemos que é mais uma ferramenta, uma armadura que protege contra aqueles que deveriam nos ajudar, mas infelizmente não ajudam”, lamenta. Na sua visão, é necessário clamar pelo cumprimento do que foi decidido pelos povos indígenas e cobrou uma lei específica sobre o tema. “No mínimo, deveria ser feita essa reparação e garantir que o protocolo seja seguido”, sugeriu.
O protocolo
A Terra Indígena do Povo Tapuya-Kariri é acompanhada, desde 2021, pelo Projeto Tucum, que busca consolidar a autonomia político organizativa de 15 povos indígenas cearenses, espalhados em 18 municípios. Nele, são realizadas formações em direitos humanos, ativismo digital, combate à violência contra a mulher indígena, entre outros temas.
A coordenadora do Esplar, Magnólia Said, explicou que a partir desse trabalho foi identificada a ameaça por uma empresa eólica, situação semelhante que outros territórios indígenas estão expostos. “As eólicas trazem muitos prejuízos, ao meio ambienta, à cultura, à saúde, à produção econômica indígena. Por isso, os Tapuya-Kariri estão aqui para dizer que estão aqui tendo um protocolo, um instrumento de consulta possível”, ressaltou.
O Protocolo Tapuya-Kariri dispõe de cinco etapas: comunicação, reunião interna, socialização, reuniões informativas e assembleias. Todas elas estão detalhadas no documento. Nele, também foi construído o passo a passo para o cumprimento da consulta prévia, livre e informada com dez estágios, que vão desde o contato inicial pela parte interessada até o envio das decisões tomadas nas reuniões internas.