Em audiência pública remota realizada, na manhã desta terça-feira (31/08), pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, o presidente do Colegiado, deputado Renato Roseno (Psol), defendeu a necessidade de se preservar a memória das mulheres vítimas de violência e lutar contra o feminicídio. O encontro discutiu os desdobramentos dos assassinatos de sete mulheres pelo “Escritório do Crime”, na região do Cariri.
Para Renato Roseno, são 20 anos de luta e de busca por respostas a esses crimes, ao mesmo tempo em que os familiares das vítimas tomam conhecimento de versões que tentam incriminar as próprias vítimas. “Precisamos lutar contra o feminicídio, contra essa hiper violência machista que extermina a vida de mulheres e que ainda vilipendia suas próprias memórias”, salientou.
O deputado Guilherme Landim (PDT) considerou a audiência de extrema importância, representando um marco para a memória das vítimas e para a lembrança desse crime. “Me somo a essa luta, no sentido de que não podemos aceitar calados as versões que nos são apresentadas desse crime a tantos anos”, apontou.
Segundo o parlamentar, a região do Cariri ainda é marcada, infelizmente, por uma cultura “nefasta” de assassinato de mulheres. “Que hoje seja o marco para a nossa região mudar esse cenário, pois não podemos aceitar que o Cariri ainda apresente reiterados casos de assassinatos de mulheres, em um machismo que não dá mais para ser concebido”, enfatizou.
A militante de Direitos Humanos e ex-deputada estadual, Íris Tavares, que presidia a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia na época dos crimes, avaliou o debate como um momento de extrema sensibilidade e importante na vida de todos os envolvidos na história.
Ela refletiu sobre o aparente contraste de o ambiente urbano de uma região tida como “santa” ter sido o cenário de tanta violência e criminalidade. “Foram mulheres escolhidas para morrer em uma sequência de assassinatos brutais, com requintes de muita crueldade. Os acontecimentos ocorreram a partir de 2001, mas essa é uma tragédia real que paira sobre a vida das mulheres”, lamentou.
Os registros de feminicídio compõem um capítulo expressivo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a ação de grupos de extermínio no Nordeste, no começo dos anos 2000, ainda segundo Íris Tavares. “Há um relato de toda a situação nos primeiros anos da década de 2000, mas a impunidade tem uma força destrutiva, sobretudo quando encontra ressonância e respaldo em algumas autoridades”, assinalou. Ela complementou que é por conta do machismo estrutural e da desigualdade de gênero que a prática do feminicídio segue avançando contra a vida das mulheres.
Socorro Pinto, irmã de uma das vítimas do crime, expressou a sua gratidão a todos os que fizeram acontecer a audiência e que apoiam a luta das famílias por justiça. “É uma triste história, de dor e de revolta, que nos comove a 20 anos. Das sete mulheres assassinadas, houve o julgamento de apenas três dos crimes, sendo que quatro casos continuam impunes. E depois de 20 anos, essas mulheres assassinadas, com os piores requintes de crueldade que se possa imaginar ainda são vítimas de falas repudiantes que tentam associá-las ao Escritório do Crime”, desabafou.
Socorro Pinto comentou que as vítimas não podem mais se defender, porque foram caladas. “Apenas aqueles que as mataram ou encomendaram as suas mortes têm voz, defesa e vida”, pontuou.
Para o ex-deputado federal e relator da CPI Extermínio no Nordeste, Luiz Couto, a audiência representa um momento de avivar a memória, algo fundamental para fortalecer a luta por justiça. “Isso nos dá força para continuar dizendo que esses crimes não podem ficar impunes e não podem continuar acontecendo. Nós temos que dar um basta nessa cultura de assassinato de mulheres”, endossou.
A representante da União das Mulheres Cearenses, Maria Luiza Fontenele, ressaltou que o contexto de crimes contra as mulheres na região do Cariri encontra explicações no fato de ser uma área territorial em que o machismo se junta com os poderes militares e com a violência dos coronéis. “Esse processo não foi desestruturado, porque há um patriarcalismo que dá estrutura básica a esse sistema capitalista de domínio humano”, avaliou.
Participaram ainda da audiência o promotor de Justiça do Crato, José de Deus Terceiro Pereira Martins; a presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Subseção Juazeiro do Norte/CE), Derineide Barboza; além das representantes da Crítica Radical, Rosa da Fonseca; do Conselho da Mulher do Crato, Mara Guedes; do Fórum Cearense de Mulheres, Maria Ozaneide de Paula; da Frente de Mulheres do Cariri, Zuleide Marques; do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Fátima Maria Rosa Mendonça; da Delegacia de Defesa da Mulher do Crato, Kamila Moura Brito; da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social e Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte, Déborah Gurgel; dentre outras autoridades.