O processo de tombamento do patrimônio histórico e a importância da preservação da memória do campo de concentração existente no município de Senador Pompeu foram debatidos em audiência pública na tarde da última sexta-feira (17/11). O evento foi proposto pelo mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno (Psol).
“Depois de muitas solicitações, feitas ao longo de vinte anos, finalmente foi aberto o processo de tombamento pela Secretaria de Cultura do Estado. Considerando a relevância de tal processo de reconhecimento, e também em celebrando a 35ª Caminhada pela Seca, que acontece neste mês de novembro de 2017, nós fizemos o requerimento de realização da audiência”, explicou Renato.
Para o parlamentar, além de debater a história dos campos de concentração, a audiência respeita o direito à memória e a necessidade de “recuperar e afirmar esse elemento constitutivo da formação da nossa estrutura social, que é excludente e segregacionista”, que se tornou prática no Ceará entre 1870 e 1932. Segundo Renato, o encontro permitiu avaliar a forma como o povo cearense se relaciona com a própria história, analisando a permanência de "lógicas segregacionistas contra aqueles que não têm o poder econômico e político na nossa sociedade”.
O deputado ressaltou a necessidade de celeridade no processo de tombamento, assim como ações de educação patrimonial no município de Senador Pompeu, como uma sinalização de marco histórico do complexo do campo de concentração do Patu.
Bruna Alves, representante da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult), indicou que diversos pedidos de tombamento do complexo do Campo do Patu foram feitos ao longo dos anos, mas não tiveram continuidade pelo Poder Público. Um pedido realizado em 2010 pela prefeitura de Senador Pompeu passou a ser avaliado em 2017 e, em junho, a Comissão de Patrimônio da Secult oficializou o tombamento provisório de pontos históricos do complexo que forma o Campo do Patu.
Atualmente, o processo está em fase de estudos para o tombamento final. O diálogo envolve ainda o órgão proprietário do complexo, o Departamento Nacional de Obras contras as Secas (Dnocs), assim como a Prefeitura de Senador Pompeu, que assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público para também realizar o tombamento municipal. Segundo Bruna, estão sendo realizadas ainda ações e formações na área de patrimônio cultural na Casa de Saberes Cego Aderaldo, em Quixadá.
Durante a audiência, foi feito o pré-lançamento do documentário "Campos de Concentração do Patu - Buriti e Cariús - Fome - Exploração e Morte!", de Valdecy Alves. O filme traz imagens inéditas dos acampamentos e entrevistas com sobreviventes dos campos de concentração.
Advogado e pesquisador, Valdecy Alves falou sobre a existência de, pelo menos, sete campos de concentração no Ceará. O campo de Senador Pompeu viveu grandes epidemias e uma maior quantidade de mortos, que foram enterrados em valas comuns no local onde seria a barragem de Patu, afirmou. Ao abordar a fé que acompanha a história do campo, Valdecy indicou que, “anos depois, a população, lembrando desse martírio, santificou as almas da barragem”, o que deu origem às caminhadas anuais. Segundo o documentarista, eventos como a audiência pública permitem a discussão da história de um “estado com tantas violações de direitos humanos”.
Antônio Francisco, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro, de Senador Pompeu, ressaltou que são dois patrimônios a serem preservados, o material e o imaterial, pois, em 2017, foi realizada a 35ª Caminhada das Almas da Barragem. Ele apontou ainda a necessidade de popularizar as histórias que são guardadas pela população, assim como fortalecer a luta pela convivência com o semiárido no Ceará.
Lúcia Alencar, assessora da Coordenadoria da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE, ressaltou a importância do tombamento e do conhecimento das violações de direitos humanos que compõem a história do Ceará. Ela apontou a construção de um material pedagógico de cartografia dessas violações para ser usado nas escolas.
Também participaram da sessão Alessandra de Oliveira (PT), vereadora de Senador Pompeu; Débora Alves, representante da Paróquia de Senador Pompeu, e Márcia Sucupira, representando a Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE.
Retirantes - A grande estiagem de 1877 provocou a retirada de mais de cem mil pessoas do Interior do Estado. Fortaleza, então com trinta mil habitantes, viu sua população se multiplicar por três. A partir daí, o governo passou a empenhar-se em medidas com o fim de evitar novos episódios do tipo. Dessa forma, em 1932, com uma nova estiagem rigorosa, passou a construir campos de concentração, montados com o objetivo de evitar que os retirantes chegassem em grande numero a Fortaleza.
“Os que chegavam de trem, em busca de fugir da seca, eram encaminhados para sete currais, cercados com varas e arames farpados, próximos à estrada de ferro’, lembra Renato. “Dados oficiais contavam mais de setenta mil aprisionados, pouco mais de um mês após a abertura dos campos de concentração em seis cidades no Ceará”. Os equipamentos foram construídos nas cidades do Crato, Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús e Fortaleza, que teve dois campos, um no Alagadiço e outro no Urubu.
Como a maior parte dos campos de concentração era formada por acampamentos insalubres, quase nada restou dos grandes terrenos. A exceção é a cidade de Senador Pompeu, situada a 250 quilômetros da Capital, onde foram confinadas em torno de dezesseis mil pessoas.
Caminhada da seca - É em Senador Pompeu que também acontece a Caminhada da Seca, ato que já se realiza há trinta e cinco anos, relembrando as centenas de vidas perdidas na estiagem de 1932. Pessoas de todo território nacional caminham do centro da cidade até o cemitério da barragem, aonde, segundo as estimativas, foram enterrados quase dois mil flagelados dos campos de concentração da seca. (Com informações da assessoria de comunicação da Assembleia Legislativa)