Luta antimanicomial: audiência pública cobra maior estruturação da RAPS e defende o cuidado em liberdade

23/05/24 17:20

Em razão do mês de maio, que marca a luta do movimento antimanicomial no Brasil, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece) realizou, na última sexta-feira (17), uma audiência pública sobre a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o processo de desinstitucionalização para o cuidado em liberdade. O debate aconteceu a pedido do deputado estadual Renato Roseno (Psol), atendendo a uma solicitação do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial.

O encontro se deu na véspera do 18 de maio, Dia Estadual de Luta Antimanicomial no Calendário Oficial do Estado, por meio da lei nº 16.938, de 17 de julho de 2019, de autoria do próprio Roseno. A mesma data é reconhecida como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

A data faz referência a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em Brasília (DF), realizada em 18 de maio 1987, que foi um marco histórico na psiquiatria brasileira, e ao Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru (SP), em maio daquele mesmo ano. Os dois eventos já eram fruto do Movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciada no final da década de 1970, em pleno processo de redemocratização do país.

A luta do movimento antimanicomial surgiu para lembrar que as pessoas com sofrimento mental, como qualquer outra, têm o direito fundamental à liberdade, a viver em sociedade e a receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que renunciar a seu lugar de cidadãos. “É um tema muito importante desde o nosso primeiro mandato: saúde mental e direitos humanos”, reforça Roseno.

Na sua avaliação, apesar de ser um tema de saúde, também trata de proteção social. “Nos faz pensar em que sociedade nós somos. Somos uma sociedade que, tristemente, produz muito sofrimento e adoecimento mental”, enxerga o parlamentar. A resposta para isso, durante muito tempo, foi isolar as pessoas, seja fisicamente, de forma muito violenta, coercitiva, disciplinar ou quimicamente. “Por isso, que surgiu várias correntes que defendem e provam que a melhor forma de cuidado é o cuidado em liberdade. A luta para que o sofrimento mental não seja tratado a partir da lógica da prisão, da privação da liberdade”, acrescenta.

A audiência pública reforçou que o lema “Por uma sociedade sem manicômios” se mostra atual na defesa pelo tratamento humanizado do paciente com sofrimento mental sem perda dos vínculos comunitários, garantindo a ele protagonismo, direitos, individualidade e autonomia. “Muitos pensam que é um movimento datado das décadas entre 1970 e 1990 e que isso não tem nada a ver conosco, mas isso não é verdade, porque ainda temos forma manicomiais de tratar a saúde mental e em relação a isso somos contundentes: fora todos os manicômios!”, defende a professora Cláudia Freitas de Oliveira, do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial.

“O princípio básico da nossa luta é o cuidado em liberdade. A gente fala dessa forma, porque sabemos que os cuidados aprisionados, sejam dos antigos ou novos modelos de manicômios, estão bastante atuantes. Por isso, que a gente frisa que temos como princípio básico a questão da reforma psiquiátrica brasileira”, acrescenta.

Estruturação

Um dos pontos importantes da audiência pública foi tratar da estruturação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que possui equipamentos como os centros de atenção psicossocial 24 horas, com acolhimento noturno e atendimento a crises, serviços de urgências psiquiátrica, serviços de desintoxicação, centros de atenção psicossocial álcool e outras drogas, centros de atenção psicossocial infantil, leitos psiquiátricos em hospitais gerais, centros de convivência, educação permanente em saúde.

“Nos últimos anos, temos visto a redução da previsão orçamentária para a saúde mental aqui em Fortaleza. Sem recursos, não se consegue implementar políticas. Chegam até nós inúmeras denúncias de problema estruturais. São elaborados relatórios técnicos, mas temos visto pouco avanço”, denuncia a vereadora da Adriana Gerônimo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Fortaleza. A parlamentar, inclusive, antecipou que protocolou um pedido de audiência para tratar das políticas de saúde mental na capital cearense.

Integrante da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza, José William Crispim, que também é usuário da Rede, informou que foram feitas várias denúncias dentro do órgão, como irregularidade no repasse de valores para bilhete único. “Os usuários que fazem tratamento intensivo e interrompem por falta desse bilhete. Isso prejudica o cuidado”.

Além disso, expôs a falta de acompanhamento do processo de fornecimento de alimento em relação à quantidade, qualidade e variedade. “Tem alimentos vencidos no CAPS”, alertou. Ainda enxerga carência em vagas de retaguarda para pacientes em tratamento nos Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (AD), que geram uma dificuldade na regulação de leitos de desintoxicação. “O público feminino não possui retaguarda. A unidade que tinha foi fechada”, acrescentou Crispim.

Como encaminhamento, a audiência sugeriu a criação de um grupo de trabalho junto que possa visitar as unidades da Rede, em Fortaleza e no interior, para se ter um diagnóstico da situação. “É uma sugestão interessante e vamos ver como viabiliza. A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania está à disposição”, destacou Roseno. As demandas trazidas pelos usuários serão formalizadas como denúncias ao Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde), órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Saúde