Audiência pública: em debate na Assembleia Legislativa o uso intensivo de agrotóxicos no Ceará

19/04/15 21:55

Ilustração mostra um avião jogando veneno em plantação de bananeiras, enquanto um homem sentado pesca com anzol em rio

O uso intensivo de agrotóxicos no Ceará será tema de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, na próxima sexta-feira, 24 de abril. O evento integra a programação da V Semana Zé Maria do Tomé, organizada por diversas instituições em homenagem a José Maria Filho, líder comunitário e ambientalista assassinado em Limoeiro do Norte, no dia 21 de abril de 2010, por denunciar as consequências da pulverização aérea de agrotóxicos.

“Considerando o atual cenário de utilização intensiva de agrotóxicos no Estado, expansão do agronegócio, pulverização aérea de herbicidas, cumpre fomentar o debate público sobre o tema, convidando entidades, movimentos sociais e a população cearense para discutir os possíveis impactos ambientais desta prática, na garantia da defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, argumenta o deputado Renato Roseno, solicitante da audiência pública.

O parlamentar também apresentou um projeto de lei para proibir no Ceará a pulverização aérea com uso de agrotóxicos, fonte poluidora dos nossos mananciais, rios, lagoas e lençol freático. O problema de gestão da qualidade da água, inclusive em função do uso de agrotóxicos, foi exposto por ele no plenário da Assembleia Legislativa, dirigindo-se ao governador Camilo Santana durante visita ao Legislativo estadual, no dia 25 de fevereiro. "Não há sentido isenção fiscal para agrotóxico, que polui o solo, a água e as pessoas do Ceará".

O Governo do Estado estimula a utilização de agrotóxicos. Além da isenção fiscal autorizada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Ceará libera quem compra agrotóxico de pagamento de impostos. Engenheiro agrônomo, ex-secretário estadual do Desenvolvimento Agrário, Camilo Santana manifestou uma posição pessoal contrária ao uso de agrotóxicos e afirmou que é preciso rever a isenção fiscal garantida na aquisição do veneno. O governador disse reconhecer os efeitos maléficos da exposição ao agrotóxico e sinalizou encaminhar à Assembleia Legislativa proposta acerca da isenção, após ouvir representantes do setor produtivo.

No Ceará, a isenção fiscal para atividades envolvendo agrotóxicos chega a 100%, pois o Estado libera os compradores do pagamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a União isenta de outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep). Decisões como essa contribuem para a expansão do uso de agrotóxicos no Brasil, conforme aponta o estudo “Agrotóxico no Brasil – uso e impactos ao meio ambiente e à saúde pública”, dos pesquisadores João Siqueira da Mata e Rafael Lopes Ferreira.

O mesmo estudo demonstra que, desde 2008, o Brasil é o país que mais usa agrotóxico no planeta, chegando em 2009 à marca de mais de um bilhão de litros aplicados, o equivalente a um consumo médio de 5,2 Kg de agrotóxico por habitante. “O resultado da política agrícola adotada desde 1970 proporcionou o avanço do agronegócio, que concentra a terra e exige cada vez mais altas quantidades de produtos químicos para garantir a produção em escala industrial”, explicam os pesquisadores.

Enquanto o mercado de agrotóxicos cresceu 93% em todo o mundo, o crescimento no Brasil chegou a 200%, tornando o país o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, ultrapassando os Estados Unidos, de acordo com os dados divulgados em 2011 pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). A expansão repercute diretamente no meio ambiente e na saúde das pessoas, pois o uso de agrotóxicos contamina o ar, o solo e as águas.

Os impactos sobre a saúde, como vários tipos de câncer, com a exposição prolongada ao veneno, demandam tratamento de alto custo nos serviços de saúde. O deputado Renato Roseno entregou aos membros da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido da Assembleia Legislativa, onde a audiência pública foi aprovada, cópias do dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) que reúne pesquisas atestando, inclusive, a presença de agrotóxico no leite materno. A mesma instituição denuncia que, dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras do Brasil, 22 são proibidos na União Europeia, tornando o país o maior consumidor de agrotóxicos já banidos no exterior.

Foram convidadas para a audiência pública que debaterá a utilização intensiva de agrotóxicos no Ceará as seguintes instituições: Comitê Cearense da Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida; Comunidades da região do Baixo Jaguaribe; Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos; Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra; Movimento M21; Núcleo Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade - Universidade Federal do Ceará; Superintendência Estadual do Meio Ambiente.

Morte na Chapada do Apodi

No Ceará, a região do Baixo Jaguaribe, onde fica a Chapada do Apodi, é a mais impactada pelo uso de agrotóxicos, em função da presença de grandes empresas do agronegócio produtoras de frutas para exportação. A multinacional Del Monte, uma das maiores empresas de produção e comercialização de frutas do mundo, instalada em Limoeiro do Norte, a 194 quilômetros de Fortaleza, foi condenada em 2013, em primeira instância, ao pagamento de horas extras e verbas trabalhistas, além de indenização por danos morais e patrimoniais à família de Vanderlei Matos da Silva.

Encarregado de auxiliar no preparo da solução de agrotóxicos utilizada para ser borrifada sobre a lavoura de fruticultura da Del Monte, Vanderlei morreu em 2008, após três anos trabalhando na empresa. O diagnóstico apontou insuficiência renal aguda, hemorragia digestiva alta e insuficiência hepática aguda. Demorou quase cinco anos para a Justiça do Trabalho de Limoeiro do Norte decidir pela condenação da empresa, que apresentou recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, em Fortaleza, que manteve a condenação em julgamento realizado já em 2015. O caso está agora no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Na região da Chapada do Apodi, abastecida pelo Rio Jaguaribe e o aquífero Jandaíra, onde a empresa Del Monte estruturou suas fazendas, a professora Raquel Rigotto, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenou um estudo epidemiológico da população exposta à contaminação ambiental. A pesquisa realizada pelo Núcleo Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade -, ligado ao Departamento de Saúde Comunitária, aponta consequências do agronegócio de fruticultura:

1 - Aumento em 100% dos agrotóxicos consumidos no Ceará entre 2005 e 2009, e de 963,3% dos ingredientes ativos de agrotóxicos comercializados no Estado no mesmo período;

2 - Consumo elevado da água nos cultivos;

3 - Contaminação por agrotóxicos da água disponibilizada para consumo humano e das águas subterrâneas;

4 - Lançamento pela pulverização aérea de cerca de 4.425.000 litros de calda contendo venenos extremamente tóxicos, altamente persistentes no ambiente e muito perigosos, no entorno de comunidades da Chapada do Apodi;

5 - Exposição diária de trabalhadores do agronegócio a elevados volumes de caldas tóxicas, que inclusive já resultou em pelo menos um óbito e na identificação de alterações na função hepática de significativo contingente de trabalhadores examinados;

6 - Constatação de que os agricultores no Ceará têm até seis vezes mais câncer do que os não agricultores, em pelo menos 15 das 23 localizações anatômicas estudadas;

7 - Elevada vulnerabilidade da população, relacionada às irregularidades fundiárias, à precariedade das condições de trabalho nas empresas, a limitadas informação e assistência técnica aos pequenos produtores, às situações de ameaças e violência contra a organização comunitária e sindical, à ausência ou fragilidade de políticas públicas que fortaleçam a agricultura familiar e camponesa, bem como outras alternativas de trabalho e renda.

Áreas de atuação: Saúde, Agrotóxicos, Meio ambiente, Recursos hídricos, Agricultura