Desde o fim do ano passado, o Povo Indígena Tapeba, do município de Caucaia, sofre com uma série de provimentos judiciais, proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que ameaçam seu processo de demarcação, iniciado há mais de 40 anos. A situação foi tema de uma audiência pública, na última terça-feira (30), da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece), a pedido do seu presidente, o deputado estadual Renato Roseno (Psol).
O objetivo do encontro foi dar visibilidade à causa e buscar apoio frente às ações judiciais que determinam, por exemplo, a desocupação de áreas tradicionalmente reivindicadas como integrantes de seu território. “Desde 1982 que ando nessa luta, lutando por saúde, educação e principalmente nossa terra, que é o que mais espero”, clamou Pajé Raimunda, liderança Tapeba.
Entenda o caso
Em dezembro do ano passado, a Justiça concedeu liminar de reintegração de posse sobre área inserida dentro da Portaria declaratória da Terra Indígena Tapeba, comprometendo o trabalho já realizado pelo grupo interinstitucional constituído para consolidar a demarcação do território. A questão é atualmente objeto da atuação da Comissão de Conflitos Fundiários (CCF) do TRF5.
Já no início de 2024, a TRF5 determinou a anulação do procedimento demarcatório e o retorno aos termos iniciais dos estudos de delimitação e demarcação da terra indígena Tapeba. A justificativa para isso se deu pela adoção da tese do marco temporal, a qual os povos indígenas somente teriam direito à demarcação de terras que estavam ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O Supremo Tribunal Federal (STF) inclusive foi contrário a isso.
O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), órgão de cidadania vinculado à CDHC, identificou a existência de outras ações judiciais com potencial impacto no território do Povo Tapeba, sendo sete ações-anulatórias de processo administrativo e duas ações possessórias. A situação tem causado insegurança jurídica que afeta as comunidades localizadas no interior da TI Tapeba.
A audiência
A audiência uniu representantes diferentes órgãos e entidades da sociedade civil, dentre eles a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado do Ceará, o Centro de Defesa e Promoção dos Direitos da Arquidiocese de Fortaleza, a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince), o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), o Ministério Público Federal (MPF), a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Feponce), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME), a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiro e o Ministério dos Povos Indígenas.
Na avaliação de Roseno, o que o Povo Tapeba está passando é uma injustiça, já que desde o século XVII há presença comprovada no território e quase meio século de luta por demarcação. “Essa não é só uma questão só do Ceará, mas nacional. Se anularem a demarcação dos Tapeba, outras demarcações podem ser anuladas. Isso é ruim não só para os indígenas, mas para a natureza. As terras indígenas são grandes santuários da natureza”, reforça o parlamentar.
O temor é semelhante ao de Cassimiro Tapeba, engenheiro agrícola e ambiental e coordenador executivo da APOINME. “Este é um momento importante para trazer à tona o que vem acontecendo no judiciário. Com certeza o que ocorre no território Tapeba pode ocorrer em outras terras. É importante estar de olhos abertos e fazer essa rede para fortalecer. É preciso proteger a vida dos povos indígenas para que garanta o futuro das próximas vidas, a continuidade da humanidade”, defende a liderança indígena.
Cassimiro Tabepa relatou que já foram iniciados quatro processos de estudos para demarcação, mas sempre volta à fase inicial por meio de ações motivadas por interesses políticos e econômicos. "Juridicamente, a gente percebe que existe uma fragilidade, principalmente com o marco temporal. Datar nossa existência é um grande retrocesso para o estado brasileiro”, completou.
Roseno acredita que o entendimento dos desembargadores diverge do que foi consolidado pelo STF a respeito interpretação do Decreto Federal nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que orienta a feitura dos estudos de demarcação. Por isso, tem levou esta situação ao encontro da presidência do TRF5 e desembargadores que compõem o Comitê de Conflitos Fundiários. “Estamos dedicando muita energia, como deve ser, à causa indígena, em especial dos tapebas, e essa audiência pública é fruto disso”.
O Escritório Frei Tito já impôs recurso em uma das sete ações. "Em termos de demarcação, existe um procedimento administrativo em curso que já está bastante avançado, e é esse procedimento que os autores das ações anulatórias questionam. Com essa decisão, a gente pode ter um retrocesso histórico. A consequência jurídica é o retorno a um estágio inicial e novo procedimento de demarcação", esclarece o advogado do órgão, Péricles Moreira.
Na próxima segunda-feira (06), Renato viaja à Brasília para tratar do tema com a secretária nacional de Acesso à Justiça, Sheila de Carvalho, do Ministério da Justiça. “Temos que reconhecer que é difícil, mas há muitos apoios. Se for necessário ir ao STJ, nós iremos. Esperamos que Comissão Interamericana de Direitos Humanos faça medidas cautelares”, finaliza o parlamentar.