Em abril do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou, através da portaria de Nº 11.506/2023, a Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, localizada no município de Itapipoca. A decisão foi considerada uma vitória, fruto de uma luta que começou na década de 1980. Porém, até agora, não houve o processo de desintrusão, necessário para efetivar a demarcação daquele território.
Por causa disso, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (CDHC/Alece) realizou, na última segunda-feira (17), uma audiência pública. O debate atendeu ao pedido do deputado estadual Renato Roseno (Psol), autor do requerimento. “Apesar da homologação ter sido uma conquista importante, resultado de muita luta, sem a desintrusão avançam os conflitos da terra indígena”, explicou.
Com população de aproximadamente 600 habitantes, em 160 famílias, o território possui pouco mais de 3.500 hectares e está situado em região litorânea e de manguezal. Sua subsistência está ligada, principalmente, à pesca artesanal, à agricultura familiar e ao artesanato. Por isso, a desintrusão quer garantir o pleno direito sobre o território, devolvendo a integralidade das terras que lhes pertence.
Conflitos
A TI do Povo Tremembé da Barra do Mundaú é alvo de especulação pelo turismo e disputa pelos projetos das torres eólicas em terra e no mar. No primeiro caso, são mais de duas décadas em que os indígenas travam uma batalha com um grupo turístico espanhol, que queria construir um megaempreendimento ali.
Hoje, há mais de 20 construções por não-indígenas no território que podem dificultar ainda mais o processo de desintrusão. Além disso, o Povo Tremembé denuncia que a área tem sido invadida para tráfico de animais, retirada ilegal de matéria-prima (madeira, palha e areia) e transporte irregular por veículos de trilha, que frequentemente invadem a faixa de praia e as dunas que ficam no limite da terra. Isso impacta na destruição de sítios arqueológicos e na área de restinga.
Durante a audiência pública, foi lida uma carta do Povo Tremembé direcionada à população e ao Estado brasileiro. Pela voz da pequena Alice Tremembé, de 13 anos, suas demandas ecoaram: “Estamos pedindo socorro, porque nossa luta está sufocada. Lutamos há mais de duas décadas pela vida e quando nos referimos à vida não falamos de sobreviver, mas do bem-viver”, disse a jovem, que completou: “Nós, povos indígenas, sofremos grandes atentados à vida, são ameaças a cultura, terra, território, espiritualidade e nossas futuras gerações. Nós queremos viver e não apenas sobreviver”.
“Grandes projetos de morte estão chegando em nosso território de forma violenta e desrespeitosa, como projeto de energia eólica, na terra e no mar, projeto de mineração e especulação imobiliária. Isso são apenas exemplos.”
Liderança indígena, Adriana Tremembé fez coro ao que foi dito pela carta: “É com urgência a concretização da desintrusão da terra indígena da Barra do Mundaú. Sequer tem uma fiscalização na terra indígena”, denuncia. Outra liderança de lá, Erbene Tremembé ressalta que a homologação da terra — apenas a segunda no Ceará — foi muito comemorada, mas ao mesmo tempo que trouxe esperança, acirrou os conflitos.
“Fez foi piorar, porque a gente tem vivido coisas que não tinha vivido, como a carta diz: a criminalidade, as construções irregulares aumentaram. No levantamento anterior, eram 135 (imóveis) para desintrusão. Hoje são cerca de 200, segundo o levantamento fundiário que foi feito”, enumerou Erbene. Nós estamos aqui hoje para somar, pedir apoio, solidariedade. É muito sofrimento. Ver nossos idosos, nossos troncos velhos se indo e não ter essa vitória conosco. Os jovens têm medo de ir para a escola por não ter segurança”, completou a liderança indígena.
Encaminhamentos
Como encaminhamentos, a audiência vai marcar uma reunião com a Polícia Federal, o novo secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, Roberto Sá, para tratar das questões de segurança do território. Também foi proposto à presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) a ida de uma comissão para discutir as benfeitorias na TI Tremembé da Barra do Mundaú.
Além disso, o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) propôs criar um grupo de trabalho interinstitucional composto, além do próprio órgão, pela Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU/CE), pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre a venda de terras pública. À Prefeitura de Itapipoca foi feito um pedido de melhoria na estrada que dá acesso àquele território. Tudo isso será acompanhado, de perto, pelo nosso mandato.