A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), discutiu políticas públicas de enfrentamento ao racismo no âmbito do Ceará. O encontro, realizado na tarde desta terça-feira (03/12), teve foco na educação contra o racismo e contou com a presença de representantes de instituições públicas, de organizações da sociedade civil, assim como de estudantes e ativistas no movimento antirracista.
O deputado Renato Roseno (Psol), autor do requerimento que propôs o debate, explicou que apesar de já estarmos no mês de dezembro, o diálogo faz parte de uma agenda de ações da campanha “Novembro Negro”, que tem o intuito de dar visibilidade à história e à luta da população negra no Brasil.
Para o presidente do Conselho da Igualdade Racial do Ceará, Lipe Silva, o processo de combate à discriminação racial deve ser transversalizado, estando presente nas áreas de educação, saúde e no âmbito geral das políticas públicas. “Quando a gente fala de relações étnico-raciais, a gente está sim falando de impactos reais na vida de pessoas negras e de pessoas não-negras também, porque quando a gente fala de combate ao racismo, estamos falando na verdade de um processo de sociedade”, disse.
Nesse sentido, a técnica do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro Indígenas (Neabi) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) de Canindé, Ana Virgínia de Sousa, salientou que a educação vai além dos limites das escolas, mas ressaltou que, no âmbito das instituições, não basta que os docentes tenham a formação adequada, sendo necessário que haja a correta destinação de recursos para que o trabalho seja executado.
Além disso, a presidente do Fórum de Educação Étnico-Racial, Glória Bernardino, destacou a importância da pauta ser trabalhada no âmbito pedagógico, desde a educação básica, com a disposição de materiais didáticos adequados, inclusive com foco naqueles produzidos por autores negros.
A representante do Movimento Fazer Valer as Leis, Joelma Gentil, detalhou que a organização atua há nove anos para que sejam devidamente executadas as leis federais de n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008, que tratam sobre a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados do país.
Com relação às legislações citadas por Joelma Gentil, o secretário de Combate ao Racismo da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), Regis Alves Pires, defendeu que é necessário que haja transparência quanto aos esforços das secretarias estaduais para que as leis de fato passem a ser cumpridas. “Essa aplicação não tem que partir de professores que estão inseridas no movimento negro e vão lá na escola buscar fazer valer as leis, mas sim um compromisso de toda a rede educacional”, completou Regis Alves Pires.
O presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-CE, Paulo do Vale, lamentou o apagamento que existe na história do Brasil e do Ceará no que diz respeito às personalidades de origem negra. “Infelizmente, ainda é realidade dentro das escolas e nos professores o desconhecimento tanto da lei, o desconhecimento da história”, disse.
A titular da Secretaria da Igualdade Racial do Ceará (Seir), Zelma Madeira, pontuou que o racismo tem que ser entendido como uma forma sistemática de discriminação e que, dessa forma, todos devem se engajar na superação desse quadro. “Quem vai manter o equilíbrio são as instituições, então a escola é fundamental, assim como o parlamento também é importante”, disse.
No âmbito estadual, a titular da pasta explica que a política de igualdade racial existe no Ceará desde 2010, e que atualmente a temática é liderada pela Seir, mas que é trabalhada de forma transversal com as demais secretarias estaduais. “As demandas e necessidades são grandes, mas não é isso que vai nos impedir de estar sempre nos articulando, de ouvir, de ter uma escuta a todos os movimentos antirracistas e sociais negros”, contou.
Entre as iniciativas da Secretaria da Educação (Seduc), o coordenador estadual de Política Nacional para Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar, Adriano César Chagas Bezerra, destacou que em 2023 o “Selo Escola Antirracista” certificou 31 instituições por ações em prol da equidade racial, número que chegou a 67 este ano.
O coordenador chamou a atenção para os números com relação aos estudantes da rede estadual, segundo ele, 70% deles são pardos, enquanto a maioria dos registros de abandono escolar e de gestação na adolescência fazem parte dessa população. “Se a gente não fizer a gestão com os dados racializados, não vamos ter um olhar específico e não vamos conseguir realmente ter qualidade na educação”, ponderou Adriano César.
Em nome da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, a professora Mônica Silva Costa, afirmou que nas creches, escolas e centros de educação infantil são aplicadas ações para desenvolvimento das relações étnico-raciais desde a primeira infância. “É lindo ver as crianças valorizando e entendendo, e sendo-lhes contada uma nova história, de uma perspectiva diferente, uma perspectiva de positivação”, declarou.
De acordo com ela, 100% dos alunos da rede pública de Fortaleza têm a declaração de raça informada no sistema, sendo que aproximadamente 80% deles são autodeclarados pretos ou pardos. “As famílias, por meio das reuniões mensais, receberam informações sobre letramento racial para que entendessem a importância de informar na matrícula a raça do seu filho”, apontou. (Texto: Ariadne Sousa - Agência ALECE / Foto: Dário Gabriel: Agência ALECE)