Em audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (30/05), foi discutida a situação da comunidade quilombola de Córrego de Ubaranas, localizada no município de Aracati. Os participantes defenderam a criação de uma rede de apoio e de mobilização, envolvendo o poder legislativo e a sociedade civil cearense, em solidariedade ao processo de reconhecimento da comunidade e dos demais territórios quilombolas no Estado.
Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Casa e propositor do debate, deputado Renato Roseno (Psol), são várias as comunidades camponesas, tradicionais rurais, povos indígenas, além das comunidades quilombolas, que lutam por titulação. Ele informou que, embora algumas estejam em processo mais adiantado de reconhecimento e delimitação, outras se encontram em situação mais delicada.
“A comunidade quilombola de Córrego de Ubaranas foi surpreendida há alguns anos com o início de uma ação judicial que buscava anular o seu processo de reconhecimento junto à Fundação Palmares. Essa sentença judicial foi exarada pela Justiça Federal em primeiro grau, e nós estamos agora no segundo grau tentando articular alternativas no sentido de tentar garantir os direitos não só dessa comunidade quilombola, mas de todas elas”, destacou o parlamentar.
De acordo com ele, “o reconhecimento das comunidades quilombolas é direito constitucional e faz parte de todo um processo de reparação histórica de quase quatro séculos da maior vergonha humana que possa ter acontecido, que é a escravidão”.
O presidente da Associação Quilombola de Córrego de Ubaranas, José Francisco dos Santos Pereira, também conhecido como Dedé Aracati, considerou a ação judicial como um grande retrocesso para a comunidade, relatando que a insegurança jurídica tem implicado em ameaças à integridade física dos moradores, na medida em que o território virou alvo de forte interesse especulativo de agentes imobiliários da região. “Essa audiência é uma oportunidade imensa para a gente se expressar, dizer o que estamos sentindo e poder gritar sobre o que está acontecendo na nossa comunidade. O processo foi parcial e não deu, em nenhum momento, a possibilidade de a gente se defender”, apontou.
O representante quilombola enfatizou que muitas pessoas estão querendo contar a história da comunidade, ignorando as vozes dos seus próprios integrantes. “A nossa história quem conta somos nós! Quem conta a sua história é quem viveu ela. Nós conseguimos, com muito esforço, nos reconhecermos como famílias quilombolas e sabemos como é difícil isso, porque quando se chega nesse ponto, parte da sociedade te olha atravessado. E não é fácil você assumir uma coisa que te exclui socialmente”, salientou.
Na avaliação da representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Cristina Quilombola, os territórios precisam estar livres e garantidos para o povo quilombola, exaltando a luta, persistência e resistência desse povo em defesa de suas terras. “O que estamos fazendo aqui é dizer ao poder público que somos, sim, quilombolas, temos os nossos territórios e vamos lutar por eles a cada dia”, endossou.
Ela defendeu ainda a aprovação de projeto de lei do Executivo cearense garantindo a regularização fundiária dos territórios quilombolas. “Essa lei vem só passando de mãos em mãos. Ela já foi para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE/CE), já veio aqui para a Assembleia, já voltou para a Secretaria do Desenvolvimento Agrário e agora está no Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace)”, lamentou.
Para o defensor público e chefe da Defensoria Pública da União (DPU), Felipe Augusto dos Santos Nascimento, a sentença que anula o processo de reconhecimento da comunidade de Córrego de Ubaranas é repleta de falhas graves, na visão da Defensoria Pública. “A comunidade não foi parte do processo, e isso é um erro brutal, pois a comunidade tem que ter o direito de contar a sua versão”, pontuou.
O defensor público contestou ainda o fato de a sentença ter criticado a autodeclaração de reconhecimento da comunidade como quilombola. “Esse é um direito claro, previsto nas leis brasileiras e em tratados internacionais que o Brasil assinou”, asseverou, complementando que, no entendimento da Defensoria Pública, existem todos os fundamentos jurídicos para derrubar a sentença no Tribunal Regional Federal (TRF).
Participaram ainda da audiência os representantes da Associação Comunidade Quilombola, João do Cumbe, e da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Ceará (CERQUICE), Aurila Maria de Sousa; o advogado da CONAQ, Jefferson Pereira; a antropóloga do Movimento Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Raquel Mombelli; o representante do Ministério Público Federal (MPF), Francisco Alexandre de Paiva Forte; da Coordenação Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial (CEPPIR), Antônia Araújo; do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, advogada Mayara Justa; o vereador do município de Aracati Elvyson Bernardes; o presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE), João Alfredo Telles Melo; a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/CE, Raquel Andrade, entre outras autoridades. (Texto: ASCOM-AL / Foto: José Leomar)