A minuta da lei que pretende instituir o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MECPT) no Ceará foi apresentada em audiência pública nesta segunda-feira (24), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. O debate ocorreu em alusão ao Dia Internacional de Combate à Tortura, celebrado em 26 de junho.
O deputado Renato Roseno (Psol), autor do requerimento, classificou a data como “dia de memória e projeção” e “uma forma de luta pela dignidade humana”. “A tortura é uma das práticas mais covardes que existem na história da humanidade. Sempre foi utilizada por aquele que tem poder sobre o outro, para infringir sofrimento físico ou mental, com intuito de causar dor. Quando se autoriza torturas e linchamentos, nos desumanizamos”, classificou o deputado.
O esforço de criação do sistema e do mecanismo estadual se dá num momento de retrocessos das políticas públicas voltadas monitoramento da tortura. No último dia 11, a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil publicou um decreto (nº 9.831), assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, exonerando todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O mecanismo é o órgão responsável por apurar violações de direitos humanos em locais como penitenciárias, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, entre outros. O decreto determinou também que a nomeação de novos peritos para o órgão precisará ser chancelada por ato do próprio presidente; e que esses futuros membros não irão receber salário.
Para Renato Roseno, são medidas que esvaziam tanto o mecanismo quanto o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), que promove a articulação de políticas públicas e o intercâmbio entre os órgãos e entidades responsáveis pelo monitoramento, supervisão e controle dos locais de privação de liberdade. “Na prática, esse decreto de exoneração dos peritos do MNCT acaba com o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT)”, denunciou o deputado. “É uma profunda ilegalidade, dado que o Sistema deriva de compromissos internacionais que o Brasil ratificou em sede de convenção internacional, qual seja, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”.
PERITOS - Durante a audiência de segunda-feira, o coordenador do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Rafael Barreto, apresentou a forma de trabalho do órgão. O mecanismo foi instituído pela lei 12.847/2013, que criou também o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Atualmente, o MNPCT conta com 11 peritos em todo o Brasil, que fazem visitas em locais de privação de liberdade, como presídios e centros socioeducativos.
Barreto afirmou ainda que a função do MNPCT é mais preventiva de atos de tortura que denunciativa. A partir das visitas, são produzidos relatórios e recomendações às autoridades competentes. Os relatórios são públicos e estão disponíveis no site do Ministério da Justiça. Uma das principais linhas de trabalho do MNPCT é fortalecer os atores locais, conforme Rafael. “Com 11 membros, é impossível darmos conta de todo o território nacional”, reconheceu. Atualmente, apenas dois estados têm MEPCT: Pernambuco e Rio de Janeiro.
A coordenadora do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, Vera Lúcia Alves, lembrou que o órgão foi criado há cinco anos (lei 5778/2010), por lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Entre as conquistas do mecanismo apontadas por Vera Lúcia, está o fim das revistas vexatórias de visitantes de presídios, com a adoção de scanners corporais.
Ainda segundo Vera, o fato de o órgão ser vinculado a uma Casa Legislativa facilita o trabalho, para que o mecanismo possa “trabalhar com independência”. “O público que queremos atingir são as famílias. É importante estar em uma Casa Legislativa, onde o povo não tem medo de ir. Os familiares são nossos olhos dentro das unidades prisionais. Eles têm grande confiança no nosso trabalho”, ressaltou Vera.
UNIDADES PRISIONAIS - Para o presidente do Comitê Estadual de Prevenção de Combate à Tortura, Sérgio da Silva, o Ceará deu o primeiro passo com a criação do comitê, por meio de decreto lei (30.573/2011). Porém, segundo ele, o órgão não é suficiente para fazer uma atuação específica e direta em todas as unidades prisionais. “A criação desses mecanismos é uma redução de danos, uma política humanitária que deve ser implementada no Estado do Ceará. Desde 2012, o comitê realiza visitas em unidades prisionais, mas de forma precária. Temos apoio logístico da Secretaria de Justiça. Mas precisamos de independência e autonomia por conta das dificuldades enfrentadas”, afirmou Sérgio.
Durante a audiência, a minuta do projeto de lei foi apresentada pelo advogado Acácio Pereira, assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE). Segundo ele, o MECPT deverá ser um órgão de Estado autônomo, composto de peritos que deverão realizar visitas regulares, nos moldes do MNPCT.
Participaram ainda da audiência pública o coordenador especial de políticas públicas dos direitos humanos do estado do Ceará, Demitri Cruz; o presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), José Cláudio Souto Justo; a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Marileide Luz.
Também prestigiaram o debate a titular da Controladoria Geral de Disciplina (CGD), Socorro França; o coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), professor César Barreira; o delegado Hugo Linard, representando a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS); e Aline Miranda, representando a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus). (Texto: Felipe Araújo com informações da Ascom-AL / Foto: Dário Gabriel)