Audiência no STF: Brasil deixa de arrecadar R$ 12,9 bilhões com bolsa-agrotóxicos

03/11/24 12:00

Na próxima terça-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) realiza uma audiência pública sobre a isenção fiscal de agrotóxicos. A atividade acontece no âmbito do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada em 2016 pelo PSOL e que questiona a constitucionalidade do benefício fiscal para o mercado de agrotóxicos. A atividade terá início às 8h30 e será transmissão nos canais do STF.

Sob condução do ministro e relator da ação, Edson Fachin, a audiência terá exposição de 37 pessoas habilitadas pelo Supremo para apresentar argumentos técnicos e jurídicos sobre o tema, entre parlamentares, representantes do Executivo, de institutos de pesquisa, de organizações sociais, além de entidades representativas do agronegócio. O ministro pode, a cada bloco, fazer intervenções ou novos questionamentos.

Na ação em julgamento pelo STF, o PSOL questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.

"Por causa de algumas normas que o setor do agronegócio conquistou ainda nos anos 90, eles não paggam nem IPI nem ICMS dos agrotóxicos que consomem, os venenos. Isso está errado", aponta o deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE), que é autor de lei que proibiu pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. "Os agrotóxicos prejudicam o meio ambiente e a saúde humana. Eles não deveriam ser incentivados por via da isenção fiscal. O Brasil deixa de arrecadar algo como 12 bilhões de reais em impostos que deveriam financiar políticas sociais".

Para o parlamentar, quem paga essa conta é a sociedade e o sistema público de saúde. "Por isso mesmo, nós do PSOL entramos em 2016 com uma ação direta de inconstitucionalidade lá no STF. A gente está arguindo a inconstitucionalidade dessa isenção fiscal. É muito importante que a gente faça o veneno pagar imposto no Brasil, até pra financiar a política social da saúde", defende Renato.

A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há 27 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.

Reivindicada pela parte autora da ação e organizações sociais e acolhida pelos ministros, a audiência pública tem como objetivo atualizar informações sobre o tema e reunir visões de um conjunto de especialistas como subsídios para o julgamento da ADI. Isto porque as normativa que garantem isenção tributárias aos agrotóxicos e questionadas na Ação em julgamento já possuem mais de duas décadas, sem que ocorresse neste período uma revisão ou reanálise da justificativa para a isenção fiscal. Desde a concessão do beneficio fiscal foram desenvolvidos diversos estudos sobre impactos dos agrotóxicos e mesmo medidas de flexibilização de uso e registro de agrotóxicos, como a aprovação em 2023 da Lei 14.785, conhecida como “Pacote do Veneno”.

“Ao realizar a audiência pública o Supremo Tribunal Federal cumpre com o papel que sociedade espera dele, que é atualizar as questões que chegam ao STF e ouvir as vozes da sociedade, neste caso sobre o tema da isenção fiscal dos agrotóxicos”, destaca o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo. “A realização da audiência pública cumpre ainda um papel muito importante considerando o fato de que o tributo não arrecadado pelo estado brasileiro poderia ser destinado para a promoção da agroecologia e o enfrentamento da crise climática”, complementa.

A organização de defesa dos direitos humanos participa da audiência e do julgamento da ação na condição de amicus curiae (amigo da corte), conjuntamente com a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia e Fian Brasil.

Impacto da isenção fiscal de agrotóxicos - Desde início do julgamento da ação, em 2020, organizações e movimentos populares denunciam impactos à saúde, meio ambiente e orçamento público pela não tributação.

De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estimativa é de que estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões, considerando a comercialização de agrotóxicos no ano de 2021. O valor representa, por exemplo, cinco vezes o orçamento reservado pela União em 2024 para prevenção e combate a desastres naturais (R$ 2,6 bilhões).

“Os impactos sociais e econômicos são enormes. É só pensar o quanto de dinheiro o país deixa de arrecadar e o tanto que ele gasta com o SUS e medidas de proteção e reparação ambiental, ao solo e águas por conta do uso desenfreado e sem controle de veneno nas lavouras e demais plantações de commodities do agronegócio brasileiro”, afirma a secretaria executiva da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Jakeline Pivato.

Julgamento da ação - O julgamento da ação foi iniciado em 2020, em plenário virtual. Em abril deste ano o julgamento foi deslocado para plenário presencial, por meio de destaque feito pelo ministro André Mendonça. O recurso regimental reestabelece o julgamento do início. Com isso, os votos já proferidos até aquele momento – 9 ao todo – podem ser revistos. A medida, na avaliação das organizações, contribui para ampliação da visibilidade do julgamento e acompanhamento pela população.

Relator da ação, o ministro Edson Fachin havia reconhecido em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.

A expectativa das organizações e movimentos populares é que a audiência pública evidencie as inconstitucionalidade da isenção fiscal e, com isso, oriente os ministros para manifestação ou revisão de votos já proferidos para posicionamento em defesa da saúde e meio ambiente.

(Edição: Felipe Araújo, com informações do portal terradedireitos.org.br / Foto: wikipedia-USDA Natural Resources Conservation Service)

Áreas de atuação: Agrotóxicos