O desespero pode ser muito perigoso. Pior que o desespero em si é sua aliança com o fanatismo. A popularidade de Bolsonaro vai caindo. Cai enquanto crescem os piores indicadores da pandemia. Sua bolha torna-se menor, mais violenta e autofantasiosa. O antes herói Moro é transformado em vilão num passe de mágica. Para provar suas teses, usam ao contrário seus próprios argumentos. Cobrar coerência é pecado e ineficaz, porque esse tipo de valor não o move. Trata-se de um projeto de poder e de morte que faz as pessoas e as instituições de instrumentos próprios, que servem quando convêm.
O desespero tem causa. Até a direita mais orgânica vê que Bolsonaro é perigoso demais e incapaz de gerar um ambiente econômico de retomada após a primeira vaga da pandemia. Cada vez mais isolado, aposta na estratégia agora da radicalização: convocou a milícia política de Roberto Jefferson e companhia. Vai jogar pesado para comprar apoio no Congresso. Por outro lado, alimenta ao máximo a fábrica de fantasias das fake news para manter sua guarda pretoriana digital até o último momento. Promove e participa de atos insconstitucionais, que servem para alimentar a sanha de sua base mais ideológica, que hoje mostrou mais uma vez sua face violenta com a agressão física a jornalistas. Enquanto isso, os brasileiros morrem sem renda, sem saúde, sem paz. Bolsonaro está desesperado, mas é calculista. Dobrou a aposta.
Mais uma vez e confirmando nossa ausência de institucionalidade democrática sólida, as Forças Armadas vão ser o fiel da balança. Podem embarcar na loucura bolsonarista autoritária (lembremos que o bolsonarismo é expressão maior que o próprio personagem. É expressão de ressentimento, reacionarismo, ignorância e violência). Como agitador de massas, é porta-voz da morte, um projeto de poder fascista que sempre existiu no Brasil. É a turma que dizia há mais de 130 anos que o país iria quebrar se abolisse a escravidão. Por outro lado, os militares podem querer uma saída menos traumática. O futuro breve é imprevisível. A única coisa certa é a tragédia em que a grande maioria do povo trabalhador está. As mortes se avolumam, o colapso se fez, não há governo. Há desvario. Temos que reagir. A história nos convoca.
Milton Santos, intelectual negro que hoje faria 94 anos, alertava que não podemos confundir o mundo que se apresenta com o que pode existir. É necessário forjar alternativas. No caso brasileiro no momento atual, o primeiro passo é dar um basta em Bolsonaro. Dezenas de pedidos de impeachment se avolumam na mesa de Rodrigo Maia, que deve ser cobrado para dar andamento a eles, ainda mais diante de crimes recentemente expostos e que crescem em dias como o de hoje, quando flagrantemente atenta contra as instituições. Temos que pressioná-lo para isso, assim como devemos cobrar as demais instituições para que não sigam tocando a orquestra enquanto o barco naufraga. Mesmo mantendo o necessário isolamento, cada um/a pode ajudar, ocupando as redes, conversando com amigos/as e familiares. Cuidar de nós, saber lutar, saber ter unidade, saber agir se combinam de forma indissociável agora.