Estamos vivendo o pior. O dia de hoje confirma isso.
O Brasil, como vários outros países de economia dependente, entrou numa rota de baixo crescimento e recessão a partir de 2011. A desindustrialização, a remuneração absurda e criminosa do rentismo financeiro, bem como a forte concentração de riqueza nos colocaram numa trajetória de decrescimento econômico e retrocessos sociais.
O status quo da política de conciliação (expressa sempre no acordo por cima) não deu conta de manter a coalizão institucional que vigorava e a tal política do "ganha-ganha" ("ganha o andar de cima, ganha o andar de baixo"). Não entendeu 2013. Acenou 5 pactos de reformas políticas e econômicas. Não cumpriu o que prometeu. A direita fascista se colocou em campo. Viu o vácuo de legitimidade e se colocou como sujeito de "renovação". Capturou o sentimento antissistêmico.
Bolsonaro não era seu melhor porta-voz. Era um escroque parlamentar do baixo clero. Viveu 27 anos em mandatos sem qualquer relevância, mas era um agitador de massas necessário ao movimento. Ao seu lado, alinharam-se alguns perfis: as vivandeiras da ditadura militar, o rentismo necroliberal, o conservadorismo fanático, os oportunistas profissionais que entenderam o momento. Tinham quatro bandeiras animadas por delírios reproduzidos pela máquina digital industrial de desinformação: o "combate à corrrupção", a liberalização da economia (leia-se destruição da capacidade regulatória do Estado), a segurança e ordem públicas e os valores reacionários de uma suposta sociedade tradicional.
Fizeram o golpe em 2016. Temer fez sua parte: chamou Meireles e começaram a destruição do pouco que havia de proteção social por meio da reforma trabalhista. Nunca pensaram em criar empregos. Queriam o que Paulo Guedes quer: ampliar as taxas de exploração da massa desvalida.
Moro era o personagem perfeito para algumas dessas bandeiras: encarnava o herói anticorrupção e anticrime. Foi escalado para a manutenção da narrativa. Contudo, o primeiro ano de Bolsonaro já demonstrou sua incapacidade ética e moral: o relacionamento dos Bolsonaros com as milícias (Queiroz, parentes de milicianos nos gabinetes parlamentares...) deve ter acendido o sinal amarelo de muita gente. Em algum momento, a casa iria cair e levar Moro junto. A questão é como "cair para cima", como se diz em Brasília.
Os sujeitos políticos do establishment estão em guerra há meses. Moro viu isso. O pronunciamento longo, prolixo, fraco e inseguro de Bolsonaro revela que Moro esperou o momento adequado para cair para cima. Bolsonaro foi revelado: não tem estatura moral, ética, técnica nem política. Mente compulsivamente, manipula grotescamente os sentimentos públicos e comete uma sucessão de crimes. Claro, que ele tem inteligência (ninguém tem sucessivos mandatos parlamentares sem ter alguma inteligência). Viu que sua base de sustentação está corroendo. Passou a dobrar a aposta no fanatismo, nas fake-news das redes sociais. Mas não se consegue maioria no Congresso só com postagem de fake-news. Passou a distribuir cargos, exatamente o que o Centrão quer. Fez o que sempre fez: a pequena política.
Nessa encruzilhada estamos, mas nessa equação está faltando a indignação organizada. No meio dessa pandemia, devastadora para os corpos da grande maioria empobrecida e explorada que depende somente do SUS, falta nossa capacidade de estancar Bolsonaro. Não haverá nova saída por cima que minimamente atendo aos anseios de maioria. Ele tem que sair, mas não adianta uma alternativa da razão necroliberal. Mourão, Paulo Guedes ou qualquer outro que venha do mesmo projeto vão querer acabar com políticas sociais, sacrificar mais os trabalhadores, destruir o Estado Social. Precisamos de uma ruptura que inicie outro ciclo.
Tem algo nessa pandemia trágica que sinaliza que não podemos continuar a viver como se vivia: destruindo a natureza, sem solidariedade social, sem direitos básicos, sem acesso à riqueza. O pronunciamento do Bolsonaro é a expressão disso. Ele nunca poderia ter virado presidente, mas é também símbolo do fim. Ele é o fundo do poço. Errático, ilógico, antiético, violento, mentiroso, corrupto. Ele é a cara de como chegamos até aqui. Portanto, não adianta uma saída acordada. Precisamos organizar a ruptura. Ou isso ou pereceremos todos.
A propósito, Bolsonaro até tentou, mas não conseguiu se defender. Saiu menor.