Responsável por 90% da produção da ciência brasileira, a pós-graduação no país enfrenta severa ameaça, após publicação de novo documento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Datada do último dia 19 de março, a Portaria nº 34/2020 corta de 20% a 50% das bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, o que pode alavancar efeitos devastadores para o Brasil e para a produção da ciência. Só na Universidade Federal do Ceará (UFC), isso significa a perda de 217 bolsas – alguns cursos tiveram cortes acima de 30% e cursos com conceito 3 chegaram a perder 100% das bolsas.
Como consequência, haverá perdas significativas nos mecanismos que visam não só a melhoria dos programas de pós-graduação, como auxiliando na redução das desigualdades regionais. No Ceará, além da UFC, também ficarão comprometidas, ou até inviabilizadas, pesquisas mantidas pela Universidade Federal do Cariri (UFCA), que terá 50% de suas bolsas mantidas pela CAPES cortadas. Com a nova medida, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) também terá quatro bolsas cortadas. O corte é pequeno, porque a oferta anterior já era bastante limitada.
No momento em que a pesquisa científica se apresenta como fundamental no enfrentamento às crises do Brasil e quando o mundo mais necessita de investimentos adicionais na ciência, a agência de fomento dá um passo no sentido inverso. Desde que o anúncio se tornou público, diversas instituições brasileiras já manifestaram repúdio à decisão, como: Fórum de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (CBPC) e Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais. As entidades defendem a revogação da portaria nº 34, além de um debate sobre o modelo de distribuição de bolsas. A CAPES informou que a medida foi tomada por “orientação central” do Ministério da Educação (MEC).
Na UFC, a Associação de Pós-graduandos da Universidade (APG-UFC) também manifestou preocupação e posicionamento contrário às medidas instituídas pela CAPES. Em nota de repúdio, a entidade lembrou que, apenas no ano passado, o governo Bolsonaro realizou o bloqueio de cerca de 8 mil bolsas ao chamá-las de “ociosas”. A promessa de devolução dessas bolsas veio, segundo a APG-UFC, com o novo modelo de concessão de bolsas, sendo citada uma redistribuição entre os programas de pós-graduação de todo o país. “Porém, esta portaria não trata de um quadro redistributivo, mas implica no bloqueio de diversas bolsas espalhadas por todas as universidades do país, incluindo a UFC”, enfatiza a nota.
A Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) também alertou para uma estimativa preocupante: um impacto na concessão de mais de 20 mil bolsas em todo o país. Até o mês de fevereiro deste ano, a CAPES era responsável por um total de 81.400 bolsas. Com a implementação desta portaria, aumentará o clima de pânico e desesperança que já existe entre os pós-graduandos e todos que integram o sistema nacional de pós-graduação brasileiro – prevê a ANPG.
O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop) disse ter sido “surpreendido” com a medida “autocrática”, que não teria considerado “a relação histórica” de ambas as entidades. “Sempre pautada pela colaboração e diálogo estabelecidos ao longo desses últimos anos e, sedimentada pela institucionalidade entre a principal agência de fomento do país com o sistema brasileiro de pós-graduação stricto sensu, representado por este Fórum, enquanto principal interlocutor com a CAPES”, acrescentou a nota. Além do Foprop, também a SBPC não foi consultada antes da publicação da portaria, nem o Conselho de Coordenadores das 49 áreas de conhecimento da CAPES. (Texto: ASCOM ADUFC / Foto: Viktor Braga - Agência UFC)