"Eu não queria ver o que eu vi hoje. Já virou lugar-comum falar da falência do Socioeducativo, da incapacidade do Estado em administrá-lo. O que se vê lá é um nome eufêmico para prisão. Aqueles meninos estão enjaulados, e isso era tudo o que o ECA não queria", foi o que declarou, em audiência pública realizada na última quarta-feira, 4 de novembro, após visita a centros de medidas socioeducativas de Fortaleza, Aurélio Virgílio Rios, representante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), referindo-se ao Sistema Socioeducativo e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
A audiência pública foi uma iniciativa conjunta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca) e do mandato do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), presidida pela deputada Bethrose, presidente da Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Ceará. Um momento para debater a situação caótica do Sistema Socioeducativo, cujo colapso vem sendo anunciado há anos.
Atualmente, a superlotação das unidades de Fortaleza é de mais de 150%, tendo 590 vagas, mas um total de 923 adolescentes internados. Em muitas, falta o básico, como colchões, banho de sol e até água potável. Os internos não contam com opções de lazer ou ensino fundamental regular - em várias unidades, as salas de aula, inclusive, são usadas como dormitórios, em função da superlotação, e, mesmo assim, os espaços são chamados de centros educacionais.
Além dos problemas estruturais, vários internos apresentam marcas e feridas, indícios de ação truculenta. Os casos de tortura contra adolescentes em privação de liberdade e a omissão do Governo do Estado no enfrentamento a esse grave problema fizeram um grupo de parlamentares e representantes de organizações de defesa dos direitos de crianças e adolescentes irem a Brasília em setembro para denunciar a situação de caos nos centros de internação de adolescentes no Ceará. No mês seguinte, o Conselho Nacional de Direitos Humanos determinou uma visita às unidades, para analisar as denúncias e conhecer as condições de perto, o que ocorreu na última quarta-feira, 4 de novembro.
A audiência pública, realizada no mesmo dia, reuniu na Assembleia Legislativa do Estado representantes de entidades nacionais, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Associação Nacional de Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Anced), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e representantes de entidades estaduais, como o Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij), vinculado à Defensoria Pública do Estado, o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA), a Pastoral Carcerária e o Comitê Estadual de Combate e Prevenção à Tortura, além da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento (STDS), responsável pela administração dos centros socioeducativos.
"Eu não consigo admitir que o Estado não consiga lidar com 900, 1.000 adolescentes. É inadmissível que a vice-governadora e o secretário digam que não têm o que fazer. Violência se combate com inteligência", declarou Aurilene Vidal, do Fórum DCA, referindo-se a declarações da vice-governadora do Ceará, Izolda Cela, e do secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, Josbertini Clementino.
A decretação do estado de emergência no Sistema Socioeducativo do Ceará foi uma das reivindicações da audiência. "O Estado não tem, hoje, capacidade de gestão do sistema. O Governo perdeu essa capacidade e, por isso, é fundamental reconhecer o estado de emergência", afirmou o deputado Renato Roseno. Além disso, foram sugeridas a garantia do ensino fundamental regular aos adolescentes internados, o maior acompanhamento do Governo Federal no monitoramento das políticas públicas para socioeducação, a criação de um mecanismo de combate à tortura e a apuração dos casos denunciados, além da garantia de cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) que, para o defensor do Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij), Alfredo Homsi, "no Estado do Ceará é um mito, uma ficção".