A ciência e a pesquisa estão por um fio no Brasil. Na última sexta-feira, o governo Bolsonaro editou o decreto 9.741 que prevê, entre outros cortes, um contingenciamento de 42,27% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). O percentual representa uma redução de R$ 2 bilhões nas despesas e nos investimentos do órgão, com impacto significativo em entidades como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que, já a partir do próximo mês de julho, vai suspender todas as bolsas de pesquisa.
“O orçamento do CNPq, do jeito que estava, só iria até setembro. Com os cortes da última sexta-feira, que o presidente fez, não haverá mais bolsas a partir do mês de julho”, denunciou o deputado estadual Renato Roseno em pronunciamento no plenário da Assembleia Legislativa na última quinta-feira (4). O parlamentar classificou o corte de recursos coomo “criminoso”. “Os atuais bolsistas, aqui no Brasil ou no Exterior, vão ficar sem bolsa. Isso é criminoso, é irresponsável com a juventude brasileira, com quem faz mestrado, doutorado, com quem faz pesquisa”.
Para Renato, ciência e tecnologia não são gastos, são investimentos; e o país que não compreende isso está fadado à subalternidade. “O Brasil amarga uma das piores posições internacionais em educação científica e tecnológica entre os países com o mesmo nível de desenvolvimento econômico”, afirmou. “Nosso país tem uma enorme dívida com sua população em termos de ciência e tecnologia. Mas está condenado a manter-se na escala internacional numa posição de dependência”.
Em reunião realizada em Sobral na semana passada, com mais de 3 mil participantes, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou um documento em que conclama gestores públicos, parlamentares e entidades científicas a defenderem a educação pública e a pesquisa nacional. Chamado de “Carta de Sobral”, o documento afirma que o destino do povo brasileiro deve estar acima dos interesses financeiros ou de setores privilegiados da sociedade.
“Os drásticos cortes realizados recentemente no orçamento de Ciência, Tecnologia e Inovação, que já estava em nível muito baixo, colocam o Brasil na contramão da história. Os países desenvolvidos investem de maneira ainda mais acentuada em CT&I em momentos de crise econômica”, afirma a carta da SBPC. Sobral foi escolhida como local do encontro por conta do centenário da observação do eclipse solar que permitiu aos pesquisadores do físico Albert Einstein, que estavam na Cidade, comprovarem a teoria da relatividade.
De acordo com a entidade, há pesquisas que demonstram que o investimento em ciência tem repercussão social significativa e retorno econômico grande. “É inaceitável que sejam feitos novos cortes em um orçamento já tão reduzido. As consequências afetarão toda a estrutura de pesquisa no País e, ainda, os setores empresariais que buscam promover a inovação”, destaca o documento. “Eles comprometem o funcionamento do sistema nacional de CT&I, construído ao longo de décadas, dificultam a recuperação econômica e certamente irão afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do País”.
Além do CNPq, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que financia a inovação e a infraestrutura de pesquisa das instituições de ciência e tecnologia, perdeu mais de 80% de seus recursos. Mesmo percentual de corte que atingiu o Ministério de Minas e Energia, que gerencia áreas fundamentais para a tecnologia e a soberania nacionais, agravando o cenário de desconstrução do desenvolvimento científico e tecnológico do País.
O repúdio aos cortes também mobilizou entidades como a Academia Brasileira de Ciência (ABC), a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (Andifes), o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos dde Ciência e Tecnologia (Consecti) e o Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e Tecnologia. Ao lado da SBPC, essas entidades elaboraram um manifesto em que classificam como “imperiosa” a revisão dos cortes efetuados.
“Cortar gastos não é a única maneira de reduzir a relação entre dívida pública e PIB. Outros países já descobriram que existe uma alternativa: investir em pesquisa e desenvolvimento para aumentar o PIB”, alerta o documento. “Se essas restrições não forem corrigidas a tempo, serão necessárias muitas outras décadas para reconstruir a capacidade científica e de inovação do país”.
Renato Roseno faz coro com os cientistas e pesquisadores e avalia que cortar recursos da educação, da ciência e da tecnologia é condenar o país ao atraso. “O governo Bolsonaro é um governo do atraso. Nas idéias, nas concepções, nas praticas políticas. Ele faz esses cortes porque é anti-democrático, porque não quer inovação, não quer nosso povo estudando”, defende. “Só pode haver ciência e tecnologia se houver investimento público, se houver fortalecimento da universidades públicas”. (Foto: divulgação)
[+] Saiba mais Confira o pronunciamento de Renato Roseno Confira a íntegra da Carta de Sobral Acesse o manifesto da SBPC e outras entidades científicas