“Foi uma surpresa saber que as águas do São Francisco iam passar no meu quintal. Mas hoje não sei se foi sorte ou azar”, o assombro de Dona Ana ecoa no meio da audiência pública. Desde a chegada das obras do Cinturão das Águas do Ceará ao Cariri, a dúvida prospera. E com a ela, a falta de transparência por parte do governo do estado e do governo federal no trato com os moradores da região. Há muita propaganda, reclamam, mas há poucos dados concretos sobre como se dará o processo de desapropriação e indenização, o acesso das comunidades à água da transposição e os impactos sociais e ambientais da obra.
Para discutir essas questões e tentar conseguir respostas do poder público, o mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), promoveu na tarde da última sexta-feira, 5, no assentamento 10 de abril, distrito de Monte Alverne, no Crato, uma audiência pública para tratar do impacto do CAC na vida dessas comunidades. "São famílias que vivem predominantemente da agricultura familiar, mas a atividade e o modo de vida dessas populações vem passando por grandes transformações depois da chegada do Cinturão das Águas do Ceará (CAC)", afirma Renato. "O povo tem o direito de, pelo menos, saber o que está acontecendo aqui".
A Audiência buscou atender à solicitação de diversas comunidades atingidas pela obra Cinturão das Águas (CAC), a exemplo da comunidade de Poço Dantas, comunidade indígena Cariri, em processo de autoreconhecimento. O Cinturão é um projeto da Secretaria de Recursos Hídricos do governo do Estado do Ceará (SRH) e está inserido no contexto das grandes obras de transposição hídrica do Brasil. O projeto pretende perenizar as 12 bacias hidrográficas do Estado a partir da construção de um sistema adutor, com extensão de aproximadamente 1300 km. O suprimento hídrico do CAC se dará com captação de água vinda do Eixo Norte da Transposição das Águas do Rio São Francisco. O primeiro trecho da obra, Trecho I (Jati-Carius) afetará os municípios de Jati, Porteiras, Brejo Santo, Abaiara, Missão Velha, Barbalha e Crato, na Bacia do Salgado; além de Nova Olinda, na Bacia do Alto Jaguaribe.
"A pergunta que fica é se vale a pena esse modelo. Essa obra do Cinturão já consumiu cerca de R$ 3 bilhões, aumentando o endividamento do Estado, e, no entanto, essas comunidades têm enfrentado inúmeros problemas. A vida concreta das pessoas têm sido afetadas. Eu sou muito crítico a esse modelo porque ele incentiva o grande consumo e prejudica os pequenos consumidores", avaliou Renato. O assentamento 10 de abril é resultado da luta por reforma agrária no Cariri, articulada por trabalhadores e trabalhadoras sem-terra da região que ocuparam a localidade em 1991, espelhando-se na luta histórica do Caldeirão.
Durante a audiência, ficou definido um calendário de visitas às obras do CAC e foi criado um Grupo de Trabalho, que irá se reunir no fim de maio, na Cúria Diocesana do Crato, para dialogar com instituições como a Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra), Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), além das comunidades atingidas.