Cristiane Faustino não nasceu militante, tornou-se. As causas que passou a defender, a partir de seu olhar e de sua vivência de mulher negra, pobre e periférica, não são motivadas apenas por questionamentos pessoais, mas traduzem expressões de revoltas coletivas e vontade de justiça. Cris, como é carinhosamente chamada, dá voz e vez a mulheres que exercem lutas em defesa de igualdade, oportunidades e, principalmente, de vida.
Assistente social de formação, ela atualmente é presidenta da Conselho Estadual de Defesa de Direitos Humanos do Ceará e integrante do Instituto Terramar. Cris é mais uma mulher entrevistada dentro da série especial produzida pelo mandato É Tempo de Resistência que celebra o 8 de março. "Bem ou mal, os sujeitos não resolvem as causas sozinhos, há que se ter, também, outros que tenham consciência das injustiças", ela conclama. (Texto e arte: Evelyn Barreto)
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você percebeu que suas ações estavam inseridas dentro de uma militância? CRISTIANE - Desde que tenho consciência de minha existência, suspeito das ordens e ordenamentos da sociedade a partir dos meus lugares diversos: pobre, periférica e pessoa negra. Mas, essas questões não vão logo se organizando de forma elaborada dentro da gente, né? É um processo que vai se acentuando à medida em que você vai vivenciando cada vez mais os cenários e se aproximando de pessoas que, de alguma forma, são parecidas com você. As coisas se acentuaram dentro de mim na década de 1990, quando passei pelo ensino médio, depois na universidade, no curso de Serviço Social, e trabalhando em uma organização que atuava, sobretudo, no tema do direito à cidade. Tendo essas experiências, um universo inteiro se abriu para mim, muitas informações, gentes e questões transformadas em pensamentos e pautas coletivas junto aos movimentos populares urbanos, de mulheres organizadas etc. No andar da carruagem, a gente vai se abarrotando de informações, trabalho, sonhos, erros e acertos.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Que fatores são mais importantes para a defesa de uma luta? CRISTIANE - Melhor pergunta que já me fizeram... mas eu não sei responder. Sei que há coisas que não podem deixar de existir: a desnaturalização e consciência da dor vivida no sofrimento de quem sofre, há quem chame de os “sujeitos” da luta, porque as causas não são apenas projetos, são expressões de sofrimentos e revoltas e vontade de justiça e reparação. Bem ou mal, os sujeitos não resolvem as causas sozinhos, há que se ter, também, outros que tenham consciência das injustiças. E todo mundo tem que ter disposição, porque, além das causas serem um universo em si, não são círculos ou quadrados fechados. O que parece, para mim, pela experiência, é que, apesar da fragmentação, justificáveis pelas especialidades, não existem fronteiras absolutas entre as causas em seus elementos constitutivos, as encruzilhadas dos sujeitos são assunto que ainda precisa de muito aprofundamento e algo mais que ultrapasse a ideia de solidariedade entre sujeitos, mas novas estruturas de ver, sentir e atuar no mundo. Além dessa filosofia, tem-se muito trabalho intelectual e braçal, muita capacidade de entender o contexto e se situar para o agora e o depois; para o imediato e o estrutural.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Enfrentamos um ano de pandemia, de negação de direitos e de um governo que se retroalimenta do cenário de calamidade. Nesse contexto, o que precisamos destacar no 8M deste ano e de outros que estão por vir? CRISTIANE - O que precisa ser destacado nesse 8 de março é como a política genocida de Bolsonaro sobrecarrega e mata as mulheres.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você avalia a participação de mulheres em movimentos de defesa de direitos e garantias? CRISTIANE - Sem as mulheres, nada disso que fizemos, fazemos e faremos, aconteceria. Com ou sem protagonismo, com ou sem posição feminista, como intelectuais ou “operárias” dos movimentos, das organizações e dos partidos de esquerda, são as mulheres que fazem a roda girar, porque em grande parte estamos construindo o pensamento social crítico e engajadas em tarefas infinitas, mesmo as que não estão convencidas do feminismo.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - E para as que não estão inseridas, como convidá-las a participar desses movimentos? CRISTIANE - Precisamos aprender a falar com elas. E precisamos saber que muitas que não vêm experimentam lutas e lutas diárias para melhorar sua própria vida, de sua família e de sua comunidade, numa espécie de militância implacável, no mais das vezes solitárias ou com as outras mulheres de suas vidas. Por exemplo, para mulheres negras e trans, as lutas são tão constantes que independente de níveis de politização ou organização, lá estamos nós na lida pela sobrevivência e com um considerável conjunto de suspeições sobre a verdade sobre as violências.