Urânio em Itataia: povos indígenas cobram protocolo de consulta prévia

06/12/24 18:00

A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) realizou uma audiência pública, nesta sexta-feira (06/12), por meio da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Renato Roseno (Psol), para a apresentação do Protocolo de Consulta Prévia do Movimento Potigatapuia, composto pelas etnias Tabajara, Potiguara, Tubiba-Tapuia e Gavião. O debate se voltou para a Mina de Itataia, em Santa Quitéria, onde se pretende realizar a exploração de urânio e fosfato.

O protocolo foi feito dividindo o território em cinco grupos, para a realização das consultas: Katuara, Abá Purang, Mantiqueira, Abá Katemá, Apisá, Apisá. Quase mil famílias, de 28 aldeias, foram ouvidas e falaram de sua história, tradições e cultura. Os povos indígenas do Movimento Potigatapuia abrangem os municípios cearenses de Monsenhor Tabosa, Catunda, Boa Viagem, Tamboril, Santa Quitéria.

O deputado Renato Roseno (Psol) afirmou que a consulta prévia, livre e informada é um direito dos povos indígenas, antes que seja feita qualquer intervenção em seus territórios. O preceito é assegurado pelo artigo 169 da convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, e em vigor internacional desde 5 de setembro de 1991. “Historicamente os povos indígenas vêm sendo pressionados e perseguidos. No Brasil, desde a colonização, há um processo de apagamento de sua língua, gastronomia, espiritualidade, de seu modo de vida. Lutamos pela garantia da consulta prévia, livre e informada, antes que seja feita qualquer intervenção como estradas, minas e complexos hídricos. O protocolo é uma forma de garantir respeito ao território. Os povos originários têm muito o que ensinar. Eles não são passado, são presente e futuro”, afirmou o parlamentar.

Teka Potiguara, representante do povo indígena Potiguara, disse que o avanço do processo para a chegada de uma mineradora no território tem preocupado muito os moradores. Ela afirmou que tem percorrido instituições para pedir que o projeto não seja licenciado e a mineração na região seja proibida. Teka pontuou que a área ainda não foi demarcada, mas falta apenas uma visita de um profissional, para a finalização do relatório e devida publicação no Diário Oficial.

“Essa mina de urânio é um projeto de morte para nós e para os não indígenas. Tivemos informação que na água da comunidade de Trapiá já tem urânio e pedimos que fosse feita também uma análise das nossas águas. Se continuarem com esse projeto vão matar a mãe terra, as matas e os animais. Precisamos muito que nossa terra seja demarcada, mas o antropólogo que precisa ir de novo lá nunca chega”, afirmou.

Arumã Potiguara, que reside na aldeia Mundo Novo, em Monsenhor Tabosa, ajudou na elaboração do protocolo e disse que a Mina de Itataia ameaça de forma direta e indireta as 936 famílias que vivem no território. Segundo ele, a aldeia indígena mais próxima do empreendimento é a de Quixaba, em Santa Quitéria.

“Uma vez que esse dragão for acordado, não haverá mais volta para a água, a terra, os ventos. O protocolo é essencial para defesa dos nossos territórios e evitar invasões de projetos, como o da mineração de Itataia. É a nossa oportunidade, direito e dever de dizer que precisamos ser consultados”, afirmou Arumã.

Protocolo garante direitos e denuncia práticas que ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas

Purumã Potiguara, representante do povo Gavião, disse que a luta para que a mineradora não seja construída é de todos os povos indígenas que buscam a autonomia em seus territórios. Para ele, o protocolo é a voz coletiva, que servirá para garantir direitos e denunciar práticas que inviabilizam a sobrevivência dos povos indígenas.

“Esse consórcio de Itataia tem avançado sem nossa consulta prévia e ameaça o nosso viver. Não aceitamos que esses empreendimentos entrem em nossos territórios sem a nossa consulta, sem respeitar nosso jeito de viver e nossa autonomia. Pedimos que respeitem nossa existência e nossa tradição”, afirmou Purumã.

O coordenador regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Thiago Anacé, disse que está em contato com o antropólogo responsável pela demarcação das terras dos povos do Movimento Potigatapuia e a previsão é que a ida dele a campo aconteça em maio do próximo ano.

O relatório deve ser finalizado e entregue para publicação, ainda no final do primeiro semestre de 2025. O representante da instituição também ressaltou a importância dos protocolos de consulta.

“É preciso considerar que as coisas não são decididas por uma comunidade em uma só reunião. Não façamos a confusão que o Estado faz para entender nossas comunidades e se posicionar sobre elas. Esse protocolo de consulta é a possibilidade de reparação histórica e de construir uma política que dê conta de escutar, compreender, ver como as pessoas vivem nas comunidades, os saberes que circulam”, disse o representante da Funai.

Jorge Tabajara, secretário-executivo dos Povos Indígenas do Ceará, disse que o Brasil vive um novo momento da politica indigenista. Na visão dele, há mais espaço para entendimentos e avanços nos direitos dos povos originários.

“Estamos avançando nos processos de demarcação das terras indígenas, fazendo estudos importantes na área do Desenvolvimento Agrário e temos lutado por entregas bastante importantes. Tenho certeza que o Estado fará o que for possível para mitigar impactos e que todos os parentes indígenas serão ouvidos sobre esse empreendimento”, afirmou o secretário-executivo.

O superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Deodato Ramalho, disse que a Mina de Itataia está em um processo de licenciamento dentro do órgão, realizado por um grupo nacional formado por 12 profissionais de várias áreas da ciência. Segundo ele, neste momento, o processo está aguardando a designação de datas para a realização de audiências públicas.

“O Ibama, no primeiro momento, devolveu o processo apontando que devia haver adequações. Não sei especificamente sobre a questão da consulta, que envolve as comunidades indígenas, como isto está encaminhado, mas asseguro que esse processo só irá a frente quando houver as audiências públicas. Havia o argumento por parte dos empreendedores que fosse feita a dispensa, mas não acolhemos”, ressaltou Ramalho.

A representante do Instituto Internacional Ararayara, Renata Prata, disse que os engenheiros da instituição analisaram o relatório apresentado pela própria mineradora ao Ibama e encontrou vários pontos problemáticos. Alguns pontos foram considerados preocupantes, dentre eles a possibilidade de contaminação dos rios próximos à mina.

“O limite legal de distância das terras indígenas é bastante questionável do ponto de vista da medição usada por eles. É preciso examinar os efeitos nos corpos hídricos, no manejo de fauna e flora. Também não foram considerados no relatório os efeitos em cascata, que podem ocorrer. Ficaram também alguns questionamentos sobre como esses minérios vão ser utilizados e sobre quem cuidará de quem está exposto à mineração”, pontuou Renata Prata.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Cristiane Nogueira Vieira, colocou a instituição à disposição dos povos originários do Movimento Potigatapuia e disse que a instituição vem lidando com casos parecidos Brasil à fora.

“Gostaria de dizer que estamos à disposição para atuar juntos. As pessoas mais atingidas pelos grandes empreendimentos são as comunidades mais vulneráveis. Temos construído uma atuação conjunta com a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público da União (MPF) e os movimentos, não apenas nos trabalhos formais, e contra a exploração, mas também dos trabalhos dos povos originários e tradicionais. Estamos juntos nesta luta”, afirmou a procuradora. (Texto: Márcia Feitosa - Agência ALECE / Fotos: Máximo Moura - Agência ALECE)

Áreas de atuação: Indígenas