Uma importante vitória da luta ambientalista em Fortaleza. Na última quarta-feira (12), o desembargador Francisco Glaydson Pontes confirmou decisão liminar proferida pela 15a. Vara da Fazenda Pública que manteve em vigor a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) das Dunas do Cocó. Com isso, Fortaleza mantém sob proteção legal um importante patrimônio natural da cidade, formado por dunas milenares que existem no ecossistema do Parque do Cocó.
A extinção da ARIE, para atender aos interesses do mercado imobiliário, vinha sendo articulada pela Prefeitura dentro da tramitação da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo de Fortaleza (LUOS - Lei Complementar 236/2017). Uma emenda apresentada ao texto da LUOS em agosto de 2017 revogava expressamente a lei municipal 9502, de 2009, de autoria do ex-vereador João Alfredo, que criou essa unidade de conservação ambiental.
Buscando evitar o prejuízo ao meio ambiente da cidade, uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado pediu a manutenção da ARIE. Em decisão liminar, a 15a. Vara da Fazenda Pública acolheu o pedido liminarmente, entendendo que, sem a unidade de conservação, o local poderia receber a construção de edifícios e a "sociedade atual e futura" poderiam perder "um ambiente ecologicamente equilibrado". A liminar foi contestada pela Prefeitura através de um agravo de instrumento interposto junto ao Tribunal de Justiça.
Ao julgar o recurso, o desembargador Francisco Glaydson Pontes manteve a decisão inicial. Segundo o magistrado, a revogação da lei da ARIE representa ofensa ao princípio constitucional da vedação de retrocesso ambiental. "O dever de proteção do meio ambiente é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o que autoriza a conclusão de que o nível de proteção da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Dunas do Cocó estabelecido em lei editada pelo Município constitui instrumento autônomo de proteção do meio ambiente", destacou.
"A nossa lei protege dunas milenares que existem no ecossistema do Cocó. Ela foi elaborada com o parecer da professora Vanda Claudino Sales (doutora em Geografia Ambiental pela Universidade Sorbonne e pós-doutora em Geormorfologia Costeira pela Universidade da Flórida), que comprovou a existência de dunas parabólicas, com quase 2 mil anos de existência. Para a professora, a área é um arquivo natural pré-histórico da cidade de Fortaleza", afirma o professor de Direito Ambiental e ex-vereador João Alfredo, autor da lei que criou a ARIE. "Aquela área estava sofrendo uma grande pressão da especulação imobiliária e foi uma luta enorme conseguimos aprovar a lei. Trata-se de um 'filé' que a prefeitura estava entregando para o capital imobiliário", reforça.
Em 2009, a Câmara Municipal aprovou e a então prefeita Luizianne Lins sancionou a criação de uma unidade de conservação do tipo Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) na área das dunas do Parque do Cocó. Na época, houve questionamentos judiciais sobre a legalidade da proposta. Em 2011, entretanto, o Tribunal de Justiça julgou que a lei era constitucional. A ARIE é uma área de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, protegida por suas características naturais singulares ou por abrigar exemplares raros da fauna e flora de uma região.
Como uma unidade de conservação de uso sustentável, a ARIE tem por objetivo preservar os ecossistemas naturais de importância regional ou local e, ao mesmo tempo, regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza. Em 2017, durante a regulamentação do Parque do Cocó pelo governo do Estado, o movimento ambientalista do Ceará manteve duas grandes críticas ao projeto: a não proteção de comunidades tradicionais e a não inclusão das dunas do Cocó e da Praia do Futuro na área de proteção do parque.
"Na época, alguns estranharam, mas eu não, o fato de o Sindicato das Construtoras do Ceará (Sinduscon) apoiar o projeto", lembra João. "Aí é só ligar os pontos. O governo lança um projeto de parque do Cocó sem a proteção das dunas e, na votação da LUOS de Fortaleza, a Câmara aprova sorrateiramente essa emenda, entregando de bandeja essa área para a especulação imobiliária, cometendo um crime contra a cidade, contra a natureza, contra as atuais e futuras gerações", alerta.
Para o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), a extinção da ARIE representaria a perda de uma importante área de dunas em plena era de mudanças climáticas e implicaria um retrocesso inaceitável. "Seria um enorme precedente no desmantelamento da legislação ambiental e na diminuição de unidades de conservação em nosso estado. Representaria, na prática, deixar a especulação imobiliária decidir o futuro das Dunas do Cocó, patrimônio ambiental da cidade de Fortaleza”, defende. (Texto: Felipe Araújo / Foto: reprodução da página do Observatório Socioambiental)