Injustiça hídrica é o fornecimento e distribuição da água de maneira desigual na sociedade e se torna visível na maneira pela qual a indisponibilidade da água em qualidade e quantidade adequadas impacta majoritariamente os meios de vida das populações mais pobres, produzindo efeitos em suas saúdes e vulnerabilidades. Igualmente, as consequências são percebidas no meio ambiente, na capacidade dos ecossistemas de fornecer serviços ambientais e na probabilidade de desastres ambientais.
Apesar da maior parte da água possuir seu fornecimento e tratamento na esfera pública, observamos de maneira crescente a privatização desses serviços, impulsionada pelo neoliberalismo. Outras questões importantes são as de como melhorar a disponibilização de água através da gestão pública, como conseguir uma distribuição justa, como evitar o caráter regressivo na cobrança pelo uso da água, como compatibilizar o uso urbano com outros usos da água em uma perspectiva regional. Como fomentar sistemas de captação, armazenagem e distribuição de águas da chuva nas capitais e cidades, evitar que o racionamento e a majoração de preços chegue aos empobrecidos urbanos. Como evitar a tremenda injustiça hídrica manifesta na falta de serviços de saneamento em alguns bairros e regiões das cidades.
Quando em qualquer lugar do Ceará uma comunidade luta contra uma criação de camarão que disputa sua água, contra uma obra hídrica que serve a concentração de água para alguns, contra uma fruticultura irrigada com técnicas perdulárias de irrigação, contra uma termelétrica movida a carvão que compete pelo uso da água com a população da Região Metropolitana de Fortaleza e do interior, contra uma siderúrgica intensiva em uso de água, contra uma mineração de urânio que vai ameaçar a segurança hídrica local, estas comunidades estão lutando por justiça ambiental, por justiça social e também por justiça hídrica.
Frequentemente, quando há a construção de barragens, transposições de água, quem mais sofre são os desalojados - pela destruição de seus modos de vida, são as comunidades sertanejas de agricultores, indígenas, quilombolas, pescadores as mais afetadas pela injustiça hídrica. Assim acontece na região Jaguaribana, assim foi com as obras da transposição do São Francisco e com o cinturão das águas no Ceará, com a construção de grandes barragens. Todas essas obras tem deslocado populações, expulsando agricultores e tudo isso para atender majoritariamente aos usos intensivos de água, seja do agronegócio, como vemos no caso da fruticultura irrigada, seja de uma indústria suja e intensiva no consumo de água, como o Complexo Industrial do Pecém e as termelétricas, siderúrgica e infraestrutura que o compõem (esteiras transportadoras etc).
Podemos constatar que como as águas de um rio correm seguindo o relevo, a água hoje corre em direção aos donos do poder. Para estes, a água chega e se acumula: água que foi subtraída de outras regiões e lugares, que muitas vezes passam a ser marcados pela escassez, por prejuízos econômicos e sociais decorrentes dessa subtração. E essa água subtraída de determinadas regiões se acumula em poucas mãos, um punhado de usuários dominantes em setores favorecidos pelo modelo de desenvolvimento tais como o energético (termelétricas), industriais (siderúrgica), agronegócio (fruticultura irrigada), hidronegocio (carcinicultura)... A distribuição injusta da água se manifesta não só nos níveis de empobrecimento, mas também determinam a insegurança alimentar e a insustentabilidade ambiental.
Hoje vemos crescer vários movimentos promissores no Ceará, que lutam pela justiça climática, pela justiça ambiental, e mais recentemente um crescente movimento de justiça hídrica que nasce das resistências às injustiças locais. Esse movimento a cada dia dimensiona melhor suas interrelações e a necessidade de se expressar como um movimento estadual que integra essas resistências e assume uma compreensão de totalidade ao lutar por justiça hídrica no Ceará.
E neste Dia Mundial da Água, o mandato É Tempo de Resistência soma-se a esses movimentos na luta por justiça hídrica, pois defende que a água seja para quem precisa dela: água para o povo!