Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: para reafirmar a liberdade de credo e a defesa do Estado laico

22/01/16 18:00

Duas mulheres negras, com turbantes na cabeça, se abraçam

O Brasil lembra nesta quinta-feira, 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi instituída pela Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, com o objetivo de assegurar a liberdade de culto e expressão religiosa a todas as etnias.

Na mesma data é celebrado o Dia Mundial da Religião, criado em 1949, pela Assembleia Espiritual Nacional, entidade integrada por vários credos, entre eles a Confissão Fé Bahá'í, identidade religiosa que surgiu em 1844 na Pérsia, atual Irã. A instituição da data tinha um caráter ecumênico, ao propugnar o diálogo e a união entre as diversas crenças no mundo, defendendo a liberdade religiosa.

Mais do que datas comemorativas, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e o Dia Mundial da Religião surgiram também como marca de resistência a tantos casos de perseguição e preconceito a diversos credos e manifestações religiosas. Ao mesmo tempo, tais efemérides dão visibilidade à importância da laicidade do Estado, que tem interface com direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, a liberdade de crença e de não crença, a igualdade de gênero e os direitos da população LGBT - lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.

"O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa deve ser um marco capaz de alertar a população brasileira para a importância da valorização do Estado laico. Se as religiões podem se guiar internamente por verdades absolutas, o Estado, pelo contrário, deve se pautar por valores universalizantes, inclusivos e que contemplem a diversidade, garantindo a todos e todas o acesso aos direitos assegurados constitucionalmente", aponta Ivanilda Figueiredo, relatora de Direitos Humanos e Estado Laico da Plataforma de Direitos Humanos - Dhesca Brasil. Para ler sobre o tema, clique aqui.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o mandato do deputado estadual Renato Roseno se juntam a todas as vozes que defendem o fim da intolerância religiosa e o fortalecimento do Estado laico. É preciso enfrentar a intolerância religiosa, que atinge as religiões de matriz africana, os ateus e agnósticos e combater o fundamentalismo religioso e as bancadas conservadoras no Legislativo, pois elas reafirmam e incentivam a homofobia, o racismo, o machismo, a misoginia, a xenofobia e outras formas de ódio, preconceito e opressão.

Os estudos sobre intolerância religiosa e a própria realidade demonstram que, no Brasil, os adeptos da umbanda e do candomblé ainda são os mais atacados, por serem seguidores de religiões de matriz africana, numa clara expressão do racismo e da discriminação que remontam à escravidão e às origens do povo brasileiro. Dia após dia, os casos de terreiros incendiados, imagens danificadas, símbolos violados e pessoas agredidas vêm à tona.

Desde 2011, o Disque Direitos Humanos - Disque 100 passou a receber denúncias sobre casos de intolerância religiosa. A legislação brasileira e internacional asseguram o direito à liberdade de credo e religião, além de proteção e respeito às manifestações religiosas. A laicidade do Estado também deve ser buscada, afastando a possibilidade de interferência de correntes religiosas em matérias sociais, políticas, culturais ou de outra ordem. A prática de ato de intolerância religiosa constitui violação ao Estado Democrático de Direito.

Legislação nacional e internacional

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos veda, no artigo segundo, parágrafo primeiro, a discriminação por motivo de religião. "Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino", aponta o artigo 18.

O mesmo dispositivo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ainda contempla que: "Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas a limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções".

No Brasil, além da Constituição Federal, há uma lei federal específica. O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288/2010, que é destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, também busca proteger cultos religiosos de matriz africana.

De acordo com o artigo 24 do Estatuto da Igualdade Racial, o direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende "a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas".

O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana, de acordo com a lei federal, compreende ainda "a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais".

Já no artigo 26 do Estatuto da Igualdade Racial, está previsto que o poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de "coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas; assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público".

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Raça e etnia, Democracia