Dossiê Cocó: alguns avanços e muitos problemas na regulamentação do parque

30/05/17 12:00

A iminente regulamentação do Parque do Cocó, assim anunciada pelo Governo do Estado depois de incontáveis adiamentos, tem sido um dos temas que temos acompanhado com mais intensidade em nosso mandato. Inclusive com realização de audiências públicas - uma delas em maio do ano passado e outra, mais recente, em maio último - e apresentação de seguidos requerimentos com pedidos de informações aos gestores públicos ligados a esse debate.

Para entender melhor a polêmica em torno da poligonal que vai demarcar a área do parque, que traz avanços mas também muitas preocupações para o movimento ambientalista - a exemplo da necessidade de ações complementares (despoluição do rio, projeto de saneamento, etc), de inclusão das áreas de dunas não contempladas no projeto e da permanência de comunidades tradicionais - , destacamos alguns pontos que vêm sendo objeto de discussão e tensionamento entre o governo e os ambientalistas.

  1. COMUNIDADES TRADICIONAIS

A presença de comunidades tradicionais dentro da área do parque, como Casa de Farinha, Boca da Barra e a comunidade da Sabiaguaba, é um dos impasses entre o governo e o movimento ambientalista. Segundo o secretário estadual do meio ambiente Artur Bruno, o Estado levantou cerca de 600 imóveis nessas comunidades. O governo diz que quer indenizar as casas ou encontrar alternativas em projetos como o Minha Casa Minha Vida. Ao mesmo tempo, afirma que um estudo antropológico está sendo realizado para saber se as comunidades são ou não são tradicionais.

* O que dizem os ambientalistas?

Para o movimento ambientalista, há comunidades já localizadas em uma Área de Proteção Ambiental (APA), a APA da Sabiaguaba. Por que, então, incluir na poligonal uma área que já é protegida? Além disso, a realização do estudo não garante os direitos das comunidades. Sem falar no fato de que a manutenção das comunidades, por si só, não assegura condições mínimas de infraestrutura para aquelas populações (como coleta de lixo, energia elétrica e água encanada). Do modo como quer o governo, essas comunidades seriam deixadas no local para “morrer de inanição”.

"Nós lutamos muito para defender o parque. Agora, nós que lutamos para defender o parque não podemos aceitar que, em nome da defesa ambiental, se cometa uma grande injustiça social", defende o ex-deputado federal João Alfredo.

Para os movimentos, a tipologia adotada de unidade de proteção integral é adequada para garantir a integridade dos ecossistemas albergados pelo parque do Cocó, mas é incompatível com a presença de populações tradicionais em seu interior. A ideia, então, é lutar para que essas comunidades citadas, bem como quaisquer outras comunidade tradicionais presentes no interior da poligonal por ocasião de sua criação em junho de 2017, tenham seus direitos a uma vida digna e plena (infraestrutura social, desenvolvimento econômico) compativelmente assegurados.

Segundo o procurador federal Alessander Sales, a proposta oficial do Governo de incorporar parte da APA já existente como área do Parque tem um impacto decisivo sobre as comunidades que ali habitam. “Porque a tipologia parque, diferente da APA, não convive com a propriedade privada. Ante a presença dessas comunidades, entendemos que seria bastante a proteção da área apenas como APA, que já existe", afirma.

Para os moradores, o poder público abandonou essas comunidades, que sofrem com insegurança e com a falta de serviços como iluminação, saneamento e coleta de lixo. "A minha comunidade não é contra as unidades de conservação, pelo contrário, é uma comunidade que vive e sobrevive dali há mais de cinco gerações. Ela só quer dignidade, respeito, direito social, cultural e o seu pleno direito de conviver com o meio ambiente”, diz Eduardo Paranhos, morador da Boca da Barra. “Aqui tem três ou quatro gerações que vivem e sobrevivem daquele lugar. Realmente é um lugar belo, lindo, mas está totalmente abandonado pelo Poder Público”.

  1. FALTA DE DIÁLOGO

O governo argumenta que, ao longo dos últimos dois anos e meio, houve várias reuniões com as pessoas afetadas pela regularização e foi formado um grupo de trabalho para a discussão do assunto. "Ninguém vai tirar ninguém à força, evidentemente. Ninguém vai impor nada, nós vamos mostrar alternativas", diz Artur Bruno.

* O que dizem os ambientalistas?

Apesar das declarações do secretário Artur Bruno, as comunidades denunciam truculência e falta de diálogo por parte da própria Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema) e da prefeitura de Fortaleza, em particular da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). “Nós somos cidadãos, temos direitos. É muito constrangedor ver um carro da Seuma chegar lá com seguranças armados. Nós somos uma comunidade tradicional, não uma facção”, aponta Roniele Silva de Sousa, morador da Boca da Barra.

Sobre o grupo de trabalho, os moradores afirmam que não houve representação das comunidades no colegiado. "Em nenhum grupo tem participação direta da comunidade. Estão falando da nossa casa, do nosso território, mas não falam com a gente", reforça. Segundo Roniele, algumas casas já foram marcadas para desapropriação, sem qualquer tipo de diálogo com a população.

Nas audiências públicas realizadas para discutir o tema na Assembleia Legislativa (em maio de 2016 e maio de 2017), não houve a presença de representantes da Seuma ou da Prefeitura. Na primeira audiência, Luiz Cruz, representante da UECE, pediu que fosse encaminhado à Prefeitura um ofício formalizando um protesto sobre a ausência de seus representantes no debate.

  1. TRANSPARÊNCIA NAS INFORMAÇÕES

O governo diz ter realizado um diagnóstico socioambiental para a proposta do parque. "A ideia, no início, era um plano de manejo, mas virou um diagnóstico socioambiental, que ajudou muito", explica Bruno.

* O que dizem os ambientalistas?

Os movimentos que lutam pela regulamentação do Parque do Cocó pedem transparência por parte do governo no trato com as informações. Várias manifestações nas audiências públicas dão conta de pedidos de documentos que, em alguns casos, há mais de um ano, ainda não foram apresentados. Na primeira audiência pública sobre o assunto, em maio de 2016, Luana Adriano (da ONG Verde Luz) formalizou o pedido de apresentação desse relatório socioambiental. Na ocasião, o secretário Artur Bruno afirmou que o plano foi feito a pedido da Prefeitura, a quem deveria ser feito o pedido. Até hoje, não houve retorno sobre o assunto por parte da gestão municipal.

  1. ÁREAS DE DUNAS

Pela proposta do governo, as áreas das dunas do parque (localizadas na Praia do Futuro e na Cidade 2000), mesmo sendo essenciais para os ecossistemas do Cocó, não serão incluídas na poligonal. O argumento , segundo o secretário, seria a falta de verbas para as indenizações necessárias. “Meu sonho era colocar essas dunas no parque, mas agora infelizmente não vai ser possível”, diz Bruno.

* O que dizem os ambientalistas?

Na verdade, alertam os ambientalistas, uma dessas áreas de dunas já foi desapropriada pelo poder público, para a suposta construção de um projeto do Minha Casa Minha Vida. Por que, então, não incorporar? Para os movimentos, a poligonal, sem essas áreas de dunas, é insuficiente para garantir a integridade dos ecossistemas e das funções ecológicas que desempenham.

"Se realmente o parque for criado pela questão do meio ambiente, a comunidade agradece com o mais profundo sentimento, mas o que fica parecendo é que o parque favorece a especulação imobiliária”, defende Roniele. “Fica difícil falar dessa questão do meio ambiente quando há diversas ações errôneas por parte dos órgãos. Será que realmente estão preocupados com a preservação?”.

Para Leonardo Jales, do movimento Pró-Árvore, o argumento oficial de que não há dinheiro para realizar as desapropriações não se sustenta. "Ao mesmo tempo em que não há dinheiro para desapropriar, há dinheiro para construir aquário milionário e ponte estaiada que liga o nada a lugar nenhum. E você vê secretários e o próprio governador fazendo malabarismos para conseguir esse dinheiro. Visitam Deus e o mundo, vão aos Estados Unidos, humilham-se, pedem empréstimo”, afirma.

“Mas não se vê o mesmo empenho dessas pessoas para conseguir dinheiro para criar o Parque do Cocó. Agora, quando o assunto é tirar as comunidades tradicionais, para fazer uma gentrificação da Sabiaguaba, aí há dinheiro. Afinal, rico não gosta de morar do lado de pobre”, afirma Leonardo.

Segundo a procuradora de Justiça Sheila Pitombeira, há que se perguntar por que a gestão municipal e estadual sempre se prendem com o “elevado” custo financeiro e orçamentário para as questões ambientais e não o fazem para as outras ações. “Há sempre a queixa dos custos elevados para educação, para a pesquisa, mas não para outros gastos e outros tipos de investimentos", compara.

Áreas de atuação: Meio ambiente