Representantes do setor público e de entidades da sociedade civil debateram, nesta terça-feira (12/11), durante audiência pública, as consequências da emergência climática para as populações em situação mais vulnerável no Estado. A reunião, promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), foi realizada por iniciativa do presidente do colegiado, deputado Renato Roseno (Psol). Segundo o parlamentar, a injustiça ambiental faz com que essas populações em vulnerabilidade sofram mais os impactos dos eventos extremos.
Ele também citou a aprovação de lei de sua autoria que trata sobre educação climática para escolas de ensino médio e informou que apresentou um projeto de lei para garantir o reconhecimento pelo Ceará do estado de emergência climática, para que seja firmado o compromisso de reduzir a emissão de gases de efeito estufa até 2050. Roseno também se colocou à disposição para debater a elaboração de propostas de emendas ao orçamento voltadas para o tema.
O vereador de Fortaleza Gabriel Aguiar (Psol) afirmou que a emergência climática já é uma realidade e que a urgência dessa situação não pode mais ser negada. “É um cenário realmente muito crítico e nós sabemos que as comunidades tradicionais são as mais afetadas pelos seus impactos diretos. É o momento da gente converter a nossa angústia em ação concreta, em política, em transição energética e, sobretudo, em justiça ambiental, socioambiental e em justiça climática”, pontuou.
Professor do curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Moro explicou que a humanidade, ao longo dos séculos, causou alterações no sistema hídrico e na atmosfera. Ele lembrou que há recentes registros inéditos de secas extremas no Pantanal e na Amazônia, furacão no Sul do País e que os impactos sobre a caatinga também já são vistos. E ressaltou que haverá impacto sobre a agricultura e a biodiversidade do semiárido, da agricultura, pecuária e pesca.
O pesquisador alertou ainda sobre a necessidade urgente de se cuidar das nascentes dos rios do Ceará. “Nós estamos vendo expansão de loteamento, ocupação, drenagem de nascentes para abastecimento urbano, ou de abastecimento de áreas de hotel. Fortaleza bebe água que vem da Serra da Aratanha e da Serra de Baturité. Mas a gente chega lá em Baturité, onde antes tinha floresta, tem placa de venda. A gente tem que pensar qual é a consequência disso. Nós vamos passar por restrição hidrológica e a gente precisa também pensar na questão da biodiversidade”, alertou.
Segundo o representante do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), Vitor Hugo de Oliveira, o Nordeste é uma das regiões mais afetadas com intensificação das secas, ainda mais porque quase 98% do Estado estão dentro da região do semiárido. O servidor explicou que dados do Ipece demonstram que as secas geram consequências muito sérias, como aumento da mortalidade infantil, impacto nas finanças dos municípios e aumento da dependência de transferência de recursos federais.
Outro ponto ressaltado foi o monitoramento sobre insegurança hídrica, realizado em nove municípios do Sistema Adutor Banabuiú - Sertão Central, onde existem cidades com 50% da população em situação de insegurança hídrica, o que acaba gerando maior insegurança alimentar. Outra constatação foi a repercussão da insegurança hídrica na saúde mental da população pesquisada.
“O indivíduo não consegue dormir, não consegue se concentrar, a preocupação é praticamente contínua. Esse indicador de saúde mental é um indicador que envolve nove dimensões, então a gente vê quanto maior a insegurança hídrica dos domicílios, pior a saúde mental dos chefes do domicílio”, indicou.
Por outro lado, o problema causado por enchentes cada vez mais frequentes foi relatado pela moradora da Comunidade Quilombola do Cumbe, em Aracati, a marisqueira Cleomar Ribeiro. Ele destacou que já chegou ao ponto de alguns moradores passarem meses deslocados, morando até em dunas durante o período de chuvas. “Isso é real e nós estamos lá nas comunidades enfrentando os impactos das mudanças climáticas. Não é no futuro; já estamos vivendo, já está acontecendo”, frisou.
A falta de políticas de adaptação das populações que estão sendo afetadas foi um ponto levantado pela representante do Instituto Terramar, Soraya Tupinambá. Ela também informou que há casos de empresas de energia eólica que não respeitam as comunidades tradicionais e até causam problemas ambientais, como desmatamento, comprometimento da biodiversidade e causando erosão nos locais. “Há um padrão na Europa, que coloca as eólicas a 20 quilômetros e, aqui, fica apenas a três ou cinco quilômetros, quase em cima das nossas praias, com possibilidade de causar problemas de erosão e de comprometer a nossa biodiversidade. Nós temos um duplo padrão e não podemos aceitar”, ressaltou.
A técnica da Coordenadoria de Desenvolvimento Sustentável (Codes) da Secretaria do Meio Ambiente do Estado, Versângela Duavi, falou dos projetos que têm sido realizados pela Sema, reforçou que a secretaria vem trazendo debates e trocando informações com pesquisadores sobre o tema. Ela esclareceu também que uma das prioridades é realizar o primeiro inventário da emissão de gases de efeito estufa no Estado, bem como a elaboração do plano estadual de mudanças climáticas.
Também estiveram presentes a representante do Conselho Pastoral de Pescadores e Pescadoras Artesanais, Shirley Almeida; professor do mestrado em climatologia, Alexandre Araújo Costa; representante da Secretaria de Educação do Ceará, Naiara Freitas; ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), Rodrigo Medeiros Silva; a liderança indígena Áurea Anacé; além de representantes do Escrito Frei Tito; agentes ambientais; moradores de comunidades da praias de Quixaba, Canoa Quebrada, Paracuru, Batoque, Fortim. (Texto: Juliana Melo/Ascom ALECE - Foto: Dário Gabriel)