Entidades ligadas ao movimento ambiental e às pautas de saúde coletiva manifestaram apoio à lei 16.820/19, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação Brasileira de Agroecologia (Aba), a ONG Terra de Direitos, entre outras, estão repercutindo nacionalmente a iniciativa cearense e destacaram a importância da lei, sancionada no início do ano pelo governador Camilo Santana.
"Essa decisão é de fundamental relevância, pois temos presentes as evidências científicas que comprovam os impactos nocivos da exposição das populações humanas e da contaminação do ambiente decorrentes da pulverização aérea de agrotóxicos", afirmou a Abrasco em nota publicada no último dia 4 de fevereiro. Assinada pela presidente da entidade, Gulnar Azevedo, a nota “Em defesa da Saúde Pública, Abrasco manifesta-se a favor da lei que proíbe a pulverização aérea do agrotóxicos no Ceará” ressalta que o estado tornou-se o primeiro do país a adotar essa legislação em favor da saúde pública e da proteção ambiental.
A associação lembra que no estado do Ceará, tal prática realizada por grandes empreendimentos agrícolas tem atingido diversas comunidades de camponeses. Em particular, em localidades como a Chapada do Apodi, provocando intoxicações agudas e crônicas, produzindo câncer, malformações congênitas, desregulações endócrinas, entre outros agravos à saúde que podem ser constatados em estudos científicos publicados em livros como "Agrotóxicos, Trabalho e Saúde" (2011).
"(A proibição) trata-se de uma medida fundamental para a garantia da saúde pública visando a proteção dos cidadãos cearenses, especialmente quanto à prevenção de graves doenças reconhecidamente relacionadas com a exposição aos agrotóxicos e que se agravam com o método da pulverização aérea", defende a Abrasco.
FUTURAS GERAÇÕES - Para a Associação Brasileira de Agroecologia (Aba), a lei é uma medida "de grande relevância para a vida e o futuro de nossa gente, merecendo o aplauso e o reconhecimento desta e das próximas gerações". "Em nosso entendimento, este passo colabora com a democracia, garante a defesa dos direitos humanos e protege as gerações futuras, constituindo exemplo a ser seguido em todos os rincões do país", afirmou a entidade em nota divulgada no fim de janeiro.
No documento, a associação lembra os dados revelados por estudos da Embrapa, que mostram que os equipamentos de pulverização permitem que somente 32% dos agrotóxicos lançados por aeronaves sejam retidos nas plantas “alvo”, ao mesmo tempo em que 19% migram pelo ar, para áreas circunvizinhas da aplicação; 49% vão para o solo; e, após algum tempo, da parte que evapora, uma parcela retorna em forma de chuvas. Dessa parte que é lixiviada, quase a totalidade contamina lençóis freáticos e apenas pequena quantidade se degrada, muitas vezes gerando produtos de maior toxicidade.
"Certamente os setores organizados do agronegócio, em especial aqueles dependentes da pulverização aérea de agrotóxicos, irão buscar reverter essa importante conquista", alerta a entidade. "Por isso, é extremamente necessário que a sociedade se mobilize para dar apoio e garantir medidas que, como a proibição da pulverização aérea no Ceará, sejam acompanhadas de outras ações estatais apoiadas nos princípios da agroecologia com vistas a produção de alimentos saudáveis, de forma respeitosa aos direitos humanos e em quantidades suficientes para a realização da soberania alimentar em nosso país".
AGRONEGÓCIO - O mesmo alerta é feito pela ONG Terra de Direitos, que na última quarta-feira publicou matéria mostrando como empresários estão se articulando contra a proibição junto ao Ministério da Agricultura e ameaçando questionar a lei judicialmente. "Empresários do setor do agronegócio do estado do Ceará têm feito manifestações públicas nas mídias locais e nos bastidores da política de que devem questionar junto ao Poder Judiciário, num futuro próximo, a Lei 16.820/19", diz a organização. "A lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras do estado é apontada pelo setor como 'ameaça ao desenvolvimento econômico'. Para isso, anunciam que serão acionadas as Federações das Indústrias (Fiec) e a da Agricultura do Ceará (Faec)".
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a sustentação argumentativa dos empresários de uso da pulverização área para ganhos econômicos para o setor evidencia o lugar secundário conferido à saúde da população e animais e a preservação do meio ambiente. “É normal que haja resistência do agronegócio à legislação aprovada, porque significa a restrição nas práticas econômicas para a promoção da saúde humana e a preservação da biodiversidade. Mas de forma alguma esses interesses privados e particulares podem se sobrepor aos direitos coletivos e difusos dos povos e da natureza exposta à pulverização aérea”, declara.
O projeto de lei foi apresentado por Renato Roseno ainda no início de 2015. "Ao final destes quatro anos a gente conseguiu, depois de muita articulação, aprovar a Lei. Na sequência vem o agronegócio ameaçar, por um lado politicamente, a partir do seu jogo político, e por meio da judicialização. Todo movimento que estamos fazendo é no sentido de reafirmar a constitucionalidade da lei", explica o deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE).
MINISTÉRIO PÚBLICO - Em nota lançada logo após a aprovação do projeto de lei pela Assembleia Legislativa, o Ministério Público do Estado do Ceará defendeu a iniciativa de Roseno e destacou sua importância. O objetivo, segundo a Procuradoria-Geral de Justiça, é que a lei ultrapasse a condição de recomendação acadêmica - em função dos inúmeros estudos e pesquisas que comprovam os efeitos nocivos da pulverização aérea - e "venha a se constituir em garantia efetiva do direito à saúde e à qualidade de vida do povo cearense".
O Movimento 21 (M21) - formado por organizações como a Cáritas Diocesana, Núcleo Tramas (UFC), CSP/Conlutas, Fafidam, MST, Lecampo (UECE), STTR Apodi (RN), Resistência na Educação, CPT, Renap, EFA Jaguaribana e NATERRA (UECE) - também saudou a proibição da pulverização aérea. "A lei estadual que proíbe a pulverização aérea no Estado do Ceará alimenta-se da luta do povo e é, para nós, uma conquista da qual não vamos abrir mão! É o nosso direito à vida, à saúde e ao meio ambiente. Isto vale mais que o emprego para poucos, mal remunerado e insalubre, ofertado por agroempresários", afirma o movimento em nota divulgada no último dia 15 de janeiro.
Saiba mais:
Nota da Abrasco - https://bit.ly/2WNMbaz
Nota da ABA - https://bit.ly/2RJoUCK
Nota da Terra de Direitos - https://bit.ly/2Sb278d
Nota do Ministério Público do Estado do Ceará - https://bit.ly/2RMpvnt