A possibilidade de mudança administrativa no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar, em Fortaleza, foi tema de audiência pública, na última terça-feira (03), realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (CDHC/Alece). Isso tem causado um temor na população, pois, o equipamento deixaria de servir à população para ser exclusivo de uso da Polícia Militar.
O debate foi requerido pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol), a pedido de profissionais da saúde, entidades da sociedade civil e aos movimentos sociais, sobretudo de mulheres.
A demanda surgiu após o governador Elmano de Freitas anunciar, no último dia 28 de junho, que a unidade voltará a ser administrada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Com isso, o hospital deixará a Rede do Sistema Único de Saúde (SUS), privando a população em geral de uma série de serviços.
Entenda a situação
Fundado em 1939 como Hospital da Polícia Militar, o prédio se encontrava sob o risco de fechar quando, em 30 de maio de 2011, por meio do Decreto nº 30.554, passou a integrar a rede SUS, sendo vinculado à Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) e rebatizado como Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar. “Hoje é um equipamento que tem uma produtividade muito importante para a sociedade”, lembrou Roseno.
O anúncio do chefe do executivo causou temor na população e em profissionais de saúde, resultando numa manifestação, ocorrida no último dia 26 de julho. Antes disso, diferentes entidades publicaram uma carta pública defendendo a manutenção do equipamento sob administração da Sesa, integrando o Sistema Único de Saúde (SUS), manifesto assinado 40 organizações e coletivos. “É uma pauta muito cara para nós, usuários e usuárias do SUS e trabalhadores do Hospital”, ressaltou Cristiane Ribeiro, que representou o movimento de mulheres.
Usuária do equipamento, Maria Lúcia Holanda, de Icapuí, realizou no José Martiniano de Alencar uma cirurgia bariátrica e semestralmente é acompanhada pela unidade. A mudança administrativa causou angústia. “Esse hospital nunca me abandonou. De seis em seis meses apareço. É um hospital que recebe a gente com humanidade”, garantiu.
A unidade
O Hospital José Martiniano de Alencar passou por recuperação estrutural da maternidade e do centro cirúrgico, além de implementação da unidade de cuidados Neonatal UCINCo (Unidade de Cuidados Intermediários Convencionais) com oito leitos transformou o equipamento em um dos mais importantes de Fortaleza. Atualmente, a unidade conta com Centro de Imagem, equipamentos de última geração para realização de exames como Raio-X, ecocardiograma, ultrassom, mamografia, eletrocardiograma, teste ergométrico, densitometria óssea e tomografia computadorizada.
Além disso, são feitos cerca de 3,5 mil exames por mês, 180 partos mensais e 4 mil cirurgias por ano. O centro cirúrgico foi reformado e passou a contar com um arco cirúrgico em cada sala, ampliando os tipos de cirurgias ofertadas à população. Atualmente, 90% dos procedimentos realizados são por videolaparoscopia, método minimamente invasivo que permite a pronta recuperação do paciente.
O hospital oferece ainda procedimentos de vesícula, urológicas, ginecológicas, proctológicas, incluindo o fechamento das colostomias, buco maxilo facial, incluindo fissurados, além de outras cirurgias gerais e dermatológicas. Realizam ainda, procedimentos de alta complexidade como cirurgia da endometriose, cirurgia bariátrica e, mais recentemente, colangiopancreatografia retógrada endoscópica (CPRE).
Além de todos esses serviços ofertados à população por meio do SUS, a unidade é referência em residência médica e é um dos mais concorridos do estado. Ali se tornou campo de ensino para o internato das faculdades de medicina e de estágio para estudantes de graduação de enfermagem, técnico de enfermagem, farmácia, nutrição, odontologia, fisioterapia, psicologia e serviço social.
“A mudança é inconcebível para nós. O hospital passou por uma série de reestruturações e reformas, ampliação de atendimentos, centro de imagens, inúmeros de exames feitos mensalmente, os mais diversos procedimentos cirúrgicos, que é um benefício tanto para as trabalhadoras, para estudantes, internos, residentes, estagiários”, reforçou Cristiane.
Representante da Associação Médica Cearense, o médico Gleydson Borges sugeriu que seja oferecida alternativas, como a garantia de leitos exclusivos para profissionais das forças de segurança ou a garantia de um plano de saúde que atenda todo o estado. “Nós enxergamos com extrema preocupação a perda desse equipamento para a população. Nossa necessidade é expandir nossos leitos, não os diminuir”, completou.
O presidente da Associação das Praças do Estado do Ceará (Aspra-CE), o sargento Edson Borges, ressaltou que o tema é delicado e complexo. Ele enxerga que a intenção do Governo do Estado em ampliar o atendimento à saúde aos miliares é “formidável”, mas não vê o Hospital José Martiniano de Alencar como a solução. “Como vamos promover esse hospital para o policial de Aiuaba, Mauriti, Santa Quitéria, Juazeiro do Norte e Crateús? Vai dar condições a esses militares do interior?”, provocou.
Representante de uma entidade composta por 12 mil militares, Borges tem dúvidas sobre a manutenção do equipamento. “Vai ser subsidiado pelo Governo do Estado? Existiria outra saída com esse mesmo equipamento?”, questionou, antes de reforçar: “nós queremos receber mais saúde, mas esse equipamento vai suprir nossas necessidades? Vai ter as mesmas condições atuais? Caso isso aconteça, é importante que tenha uma comissão gestora com representantes classistas”, completou.
Autor do requerimento do debate, Roseno lembrou que, por três vezes, aprovou um projeto de indicação que cria linha de saúde integral para os profissionais de segurança pública, por entender que eles demandam uma atenção especial, sobretudo em relação à saúde mental. “Concordamos que a criação de uma linha de cuidado, um protocolo estabelecido por resolução no Conselho Estadual de Saúde pode melhorar, envolvendo toda a rede de saúde e o próprio Instituto de Saúde dos Servidores do Estado do Ceará (Issec)”, sugeriu.
Segundo o Conselho Estadual de Saúde, a mudança ainda não chegou oficialmente, sendo debatida pelo órgão deliberativo. “O que nos causa preocupação é a retirada desse equipamento da rede SUS, dado que ele tem uma produtividade muito importante para a sociedade”, finaliza o parlamentar.