A diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, afirmou que uma diminuição na maioridade penal representaria um retrocesso, colocaria o país na contramão de uma tendência internacional e não garantiria mais segurança para a população. A representante da organização internacional participou nesta terça-feira (24) de uma audiência pública sobre o tema na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
Além da Human Rights Watch, outros organismos internacionais estão se manifestando contra a proposta e alertando para o enorme retrocesso que uma eventual aprovação da medida pelo Senado representaria. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2012, que estabelece a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, está tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. O texto havia sido aprovado pela Câmara dos Deputado em 2015. A votação na comissão do Senado está prevista para acontecer em novembro. Se aprovado na CCJ, o texto, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), segue para votação no plenário.
Segundo Maria Laura, reduzir a maioridade viola o direito internacional ao afastar, por exemplo, as proteções impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado, segundo ela, uma lei modelo no exterior. Além disso, a tendência de encarceramento está sendo revertida em muitos países. "O direito internacional determina que menores tenham um sistema próprio de proteção. É tentador pensar que o tratamento mais severo vai aumentar a segurança, mas outros países viram que não é verdade. Nos Estados Unidos, há estudos que mostram isso. Em vez de replicar políticas fracassadas, esperamos que o Legislativo tente melhorar o que existe", defendeu.
UNICEF - Em nota publicada no último dia 20 de setembro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também criticou a proposta. Segundo a entidade, reduzir a maioridade penal não resolverá o problema de segurança e dos altos índices de violência. "No Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que autores de atos de violência. São eles que estão sendo mortos em número alarmantes", diz a nota. "O País precisa se comprometer com a garantia de oportunidades para que suas crianças e seus adolescentes se desenvolvam plenamente, sem nenhum tipo de violência. Reduzir a maioridade penal não é o caminho para isso".
Levantamento feito pelo Unicef mostra que, em 54 países que reduziram a maioridade penal, não houve redução da violência. Em alguns casos, como os da Espanha e da Alemanha, países voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países do mundo estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Segundo a entidade, diminuir a idade mínima penal vai contra as principais tendências internacionais de gestão de justiça juvenil e contraria uma recomendação da Organizações das Nações Unidas (ONU), que diz que essa mudança seria uma grande ameaça aos direitos das crianças e adolescentes.
"A redução da maioridade penal está em desacordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança – da qual o Brasil foi um dos primeiros signatários – e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)", alerta a entidade. No texto, o UNICEF pede aos senadores brasileiros que respeitem o compromisso assumido perante a comunidade internacional quando da ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança e da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente e votem contra a redução da maioridade penal. "Segundo essas normativas, os adolescentes não devem ser responsabilizados e tratados como adultos. Por isso, acertadamente, o ECA estabelece um sistema de justiça juvenil especializado e em separado do penal para pessoas menores de 18 anos".
CIDH - A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi outra entidade internacional que expressou sua contrariedade à proposta. Para CIDH, é preocupante a possibilidade de que se adotem reformas constitucionais que sejam contrárias às obrigações internacionais livremente assumidas pelos Estados ao ratificar tratados internacionais, e que sejam contrárias ao direito internacional dos direitos humanos. "A Comissão considera que a atual proposta de reforma constitucional que está sendo analisada constituiria um grave retrocesso e uma violação dos direitos fundamentais dos adolescentes, pois viola sua garantia de ser tratado por uma justiça juvenil especializada", afirma a entidade.
Para a Comissão, as estatísticas mostram que, ao contrário do que é alegado como justificativa para as propostas de redução da idade de responsabilidade penal, os adolescentes não são os principais responsáveis pelo ambiente de insegurança e criminalidade. Os atos criminosos cometidos por adolescentes representam 4% do total de crimes cometidos por adultos; e de todos os atos criminosos cometidos por adolescentes, apenas 2,9% correspondem a crimes considerados graves. "A CIDH considera que, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos, o modelo de justiça restaurativa deve ser aplicado aos adolescentes no Brasil. Também entende que existe a necessidade de avanços urgentes a serem feitos no sentido de tornar este modelo totalmente compatível com as normas de proteção aos direitos das crianças e adolescentes", defende.
HIPOCRISIA - Para o deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE), a medida, além de inconstitucional, vai piorar o problema da violência urbana no Brasil. "As pessoas têm uma idéia de que o problema da violência envolvendo adolescentes e jovens tem relação com a qualidade das nossas leis. Nosso problema não é de qualidade de leis, mas de aplicação de leis", defende Renato. "Nosso problema central reside na ausência de equipamentos, de instrumentos, de investimentos para aplicação da lei".
Segundo o deputado, a redução da maioridade penal não vai resolver absolutamente nada em termos de violência no Brasil. O Brasil, lembra Renato, tem mais de 1600 tipos penais, o que configura o chamado "populismo penal". "Há uma hipocrisia penal no Brasil. O Congresso Nacional não enfrenta a sério a questão da violência urbana e o que se faz é esse populismo penal. Não temos um pacto nacional de redução de homicídios, não temos um plano nacional de segurança pública, não temos um fundo nacional de segurança pública. Não temos, portanto, instrumentos que, de fato, permitam a aplicação de medidas efetivas de médio e longo prazo", explica. (Com informações da Agência Senado / Foto: Pedro França - AS)