77% das outorgas de água no Ceará, concessões pelo Governo do direito ao uso de água, são para a agricultura irrigada, 11% para a indústria, 7% para o abastecimento público e 4% para outros usos. Apenas a termelétrica do Pecém gasta 6% da água do Estado, enquanto recebe desconto de 50% na tarifa de água e gera somente 398 empregos. O desperdício na distribuição de água em Fortaleza chega a 35%. Dois terços do território cearense estão sem cobertura de tratamento de esgoto, mesmo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) considerem que o acesso à água potável é um direito humano.
Em seu primeiro pronunciamento no plenário da Assembleia Legislativa, nesta sexta-feira (13), o deputado estadual Renato Roseno (PSol) elegeu como tema a escassez hídrica no Ceará e propôs uma campanha - água para quem precisa, um direito humano e suporte à vida - em sintonia com o que estabelece o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, ao tratar a água como um direito humano: “A água é um recurso natural limitado e um bem público fundamental para a vida e a saúde. O direito humano à água é indispensável para viver dignamente e é condição prévia para a realização de outros direitos humanos”.
Utilizando dados oficiais da Agência Nacional das Águas (ANA), Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Renato Roseno questionou a gestão da água no Ceará do ponto de vista da quantidade e da qualidade. "Nós temos um modelo perverso de um sistema neoliberal que transforma a água em mercadoria. E os governos, sucessivamente, servem a esse modelo, em nome de um pretenso crescimento econômico mascarado de desenvolvimento econômico e social", apontou.
A Política Nacional de Recursos Hídricos determina prioridade de uso da água para o consumo humano e para matar a sede dos animais. "O Ceará está recebendo indústria suja, consumidora em larga escala de energia e água, com alto impacto ambiental e baixa geração de emprego", argumentou Renato Roseno, questionando inclusive a vocação do Ceará, um estado com 90% do território no semiárido, para receber tais empreendimentos. "Questionamos o uso politiqueiro que a água recebe no Estado do Ceará. Não é um trato republicano, é monárquico, para beneficiar o amigo do rei", reprovou, ao citar que a MPX Energia, instalada no Complexo do Pecém, recebe desconto de 50% na tarifa de água, com autorização da Assembleia Legislativa, gastando 6% da água do Estado.
O deputado reconhece a necessidade das obras hídricas como uma das opções para o enfrentamento da escassez de água, mas observa que esse não é um problema apenas de engenharia civil. "Desde o século XIX vêm obras redentoras. O problema não é obra. É o uso e gestão dessa água". Barragens subterrâneas, cisternas de calçadão e pequenas barragens são alternativas simples para beneficiar as populações que mais precisam do líquido. Para uma melhor gestão das águas, inclusive reduzindo o índice de desperdício, Renato propõe uma melhor articulação entre Funceme, Cogerh e Cagece.
Ao questionar a gestão da qualidade da água, o deputado aponta, além da baixa cobertura de saneamento básico, os altos níveis de eutrofização, o que ocasiona a acumulação de matéria orgânica em estado de decomposição, e a contaminação de rios, lagoas e lençol freático pelo uso abusivo da pulverização aérea de agrotóxicos, sob incentivo do Governo. "O agronegócio está lançando veneno sobre os nossos mananciais. E no Ceará, não se paga imposto para comprar veneno". Além da isenção autorizada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o próprio Estado do Ceará também libera quem compra agrotóxico de pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O deputado propôs que a Assembleia Legislativa encaminhe uma agenda prática de combate ao uso de agrotóxicos, pela substituição de tecnologias atrasadas ainda do século XIX, que usam água excessivamente, como é a irrigação por inundação, e pelo fim do incentivo fiscal para atividades econômicas lucrativas que gastam muita água e geram poucos empregos. "O Governo do Estado coloca pequenos agricultores disputando água com grandes empreendimentos", critica Renato Roseno, defendendo a prioridade para o abastecimento humano e a agricultura familiar.