O Governo do Ceará obteve nesta quinta-feira (20) a autorização da Assembleia Legislativa do Estado para obter empréstimo de US$ 205 milhões, valor equivalente a R$ 700 milhões, para as obras do primeiro trecho do Cinturão das Águas. O deputado estadual Renato Roseno (PSOL), ao debater o assunto em plenário, argumentou que o Ceará não precisa apenas de obras hídricas para enfrentar o problema da estiagem, mas de um outro modelo de gestão das águas, mais eficiente e mais democrático.
“Não somos contra o Cinturão das Águas, não é essa a questão. O problema da crise hídríca não seria apenas de engenharia, mas também de uso e de gestão eficiente e democrática das águas", afirmou o parlamentar, que, após justificativa, se absteve na votação. Entre os elementos para justificar a análise, Renato Roseno apontou que no Ceará sobram açudes, mas falta água, havendo atualmente mais de 30 mil pequenos reservatórios que não estão sendo bem geridos.
“Temos também várias técnicas que poderiam ser utilizadas e que não estão sendo, como pequenas barragens, cisternas de placas, cisternas de enxurrada, cisternas calçadão, barragens subterrâneas... Temos ainda várias comunidades que nunca viram sequer uma cisterna em suas casas. Enquanto isso, estamos aqui discutindo a liberação de US$ 205 milhões, algo próximo a R$ 700 milhões, para serem tomados de empréstimo para o trecho I do Cinturão das Águas, que vai, obviamente, depender da transposição do Rio São Francisco, obra essa que também está insegura, tanto do ponto de vista financeiro como climático”, acrescentou o deputado.
Mesmo que os recursos sejam assegurados, haverá um gasto elevado para uma obra cuja eficiência é mais que questionável, no entendimento de Renato Roseno. A questão não estaria apenas no impacto do endividamento do Estado, mas também na liberação de um empréstimo de US$ 205 milhões enquanto várias outras operações e tecnologias de baixo custo, como as cisternas e o reúso da água, não estariam sequer sendo efetivadas. A obra hídrica, sem todas as outras medidas, não resolverá o problema e, pior, ainda poderá gerar injustiça hídrica.
"É ou não é uma incongruência tomarmos um empréstimo tão alto, enquanto nós não efetivamos ainda outras políticas básicas? Que estímulo estamos fazendo para o reúso de água, por exemplo? Quais as políticas que temos de convivência com o semiárido e de democratização das águas? Só obra não basta", listou o deputado, complementando que as alternativas, oriundas da sabedoria e experiência das comunidades e dos movimentos sociais, demonstram que não há obra hídrica redentora. Para ele, as grandes obras oferecem segurança hídrica aos grandes produtores, aos grandes empreendimentos.
O problema das comunidades que sofrem com a falta de água no Ceará não se resolve apenas com engenharia, mas com uma gestão mais democrática dos recursos hídricos, que garanta o líquido de qualidade e em quantidade para o abastecimento humano e a produção da agricultura familiar. A defesa da gestão democrática das águas tem relação e inspiração nos movimentos do semiárido.
Durante o pronunciamento, o parlamentar citou, por várias vezes, o Pacto das Águas, publicação que dialoga com as questões apresentadas por ele. O Pacto das Águas foi concluído em dezembro de 2009 com a publicação do “Cenário Atual dos Recursos Hídricos”, “Plano Estratégico de Recursos Hídricos do Ceará” e 11 Cadernos Regionais das Bacias Hidrográficas, parceria entre a Agência Nacional de Águas (ANA), Governo do Estado do Ceará e a Assembleia Legislativa do Ceará.
“Sabe qual o grande receio daqueles que, assim como nós, defendem outra gestão dos recursos hídricos? Estão tomando empréstimos para fazer obras que vão jogar água subsidiada para os grandes produtores, não para os pequenos. Hoje, a termelétrica do Pecém, por exemplo, consome 1 mil litros de água por segundo. Temos que fazer a gestão democrática dos recursos hídricos. Não vai ser apenas obra de engenharia que vai resolver o problema da estiagem”, concluiu o parlamentar.
O Cinturão das Águas do Ceará é uma das grandes obras de transposição hídrica do Brasil. O projeto pretende perenizar as 12 bacias hidrográficas do Estado a partir da construção de um sistema adutor com extensão total de aproximadamente 1.300 quilômetros. “O seu projeto está concebido em etapas, o que em muito prejudica a avaliação dos impactos ambientais do projeto como um todo”, avalia o deputado.
O primeiro trecho da obra, denominado Trecho 1 (Jati-Cariús), segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), demandará 36 meses para implementação, com construção de canais, túneis e tubulações de modelos diferentes, de acordo com a área, nos municípios de Jati, Porteiras, Brejo Santo, Abaiara, Missão Velha, Barbalha e Crato, na Bacia do Rio Salgado, além de Nova Olinda, na Bacia do Alto Jaguaribe.
O Cariri recebeu a primeira audiência pública no interior do Estado da atual legislatura da Assembleia Legislativa, em 1º de junho, para discutir o andamento do Projeto Cinturão das Águas e a situação fundiária das comunidades afetadas pela obra. A audiência foi proposta pelo mandato do deputado estadual Renato Roseno. Outro requerimento do parlamentar foi para obter informações discriminadas da Secretaria dos Recursos Hídricos sobre o andamento do projeto na comunidade do Baixio das Palmeiras, no Crato, inserida no primeiro trecho da obra, a situação fundiária das famílias e as medidas adotadas para garantia do direito à terra e ao território dos moradores da área afetada.
O deputado visitou a comunidade no dia 28 de março e constatou a sensação de insegurança vivida pelos moradores. Baixio das Palmeiras é uma das quatro comunidades do distrito homônimo, na zona rural do Crato, que será diretamente afetada pelo projeto, pois, com a construção do canal na área, inúmeras famílias estão ameaçadas de remoção.