O olhar sofrido de Dona Odélia não consegue conter a indignação e o que extravasa vem em forma de pergunta: "por que o lixo não fica mais perto do povo rico?". Em seu testemunho vigoroso sobre as dificuldades vividas pela comunidade de Sítios Novos, em Caucaia, ela resume de forma brilhante o conceito de injustiça ambiental. Tem sido assim no governo Camilo Santana. Tem sido assim desde as últimas gestões estaduais. O Ceará adotou um projeto de desenvolvimento socialmente iníquo e ambientalmente devastador, que tem sacrificado comunidades tradicionais e o patrimônio natural do Estado como forma de beneficiar grandes empreendimentos econômicos privados.
Na noite da última terça-feira, 28, crianças, jovens, adultos e idosos encheram a praça da localidade para protestar contra a proposta do governo do Estado de levar um aterro sanitário para Sítios Novos como forma de atender às indústrias do Complexo do Pecém. "Há alguns anos, o açude Sítios Novos foi completamente exaurido porque fornecia água doce para as termelétricas do Complexo do Pecém. Depois, a comunidade soube que o distrito receberia um aterro de resíduos industriais das termelétricas e siderúrgica (resíduos da queima do carvão mineral). Houve intensa recusa da comunidade. Agora, estão em alerta porque soubera que o governo quer implantar um aterro sanitário a 3km da comunidade", afirmou o deputado estadual Renato Roseno, que esteve com a comunidade durante o ato. "A população, obviamente, recusa esse projeto porque desconfia, está marcada e sabe que os territórios em que vive há décadas são transformados em 'zonas de sacrifício' para esses empreendimentos", explicou.
Segundo Renato, a lógica de desenvolvimento adotada pelo governador Camilo Santana - a exemplo de seus antecessores - assalta recursos públicos, destrói comunidades tradicionais e concentra a riqueza. "Só uma elite política tacanha e irresponsável para dedicar bilhões de reais públicos e imensuráveis recursos naturais para atrair indústrias sujas, movidas a carvão mineral e que sorvem toda nossa água", defendeu o deputado, que lembra que até hoje o Complexo do Pecém não foi licenciado enquanto complexo de empreendimentos. "Os licenciamentos individuais dos empreendimentos não substituem a necessidade de análise dos impactos conjuntos e sinérgicos de todo o Complexo", afirmou.
Para Renato, o papel de parlamentar é o de coletar informações, contribuir no diálogo, estar junto da comunidade na mobilização e exigir alterações profundas nessa lógica enviesada e excludente de desenvolvimento econômico. "Há muitos anos carrego uma frase de uma liderança indígena que se aplica à situação da comunidade: 'não vamos morrer educadamente'".