Falta d'água, salas de aula transformadas em celas, tratamento cruel, tortura, superlotação de 200% em média... Graves violações de direitos de adolescentes internados em unidades de atendimento socioeducativo do Ceará foram denunciadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ganharam repercussão no plenário da Assembleia Legislativa do Ceará com o pronunciamento do deputado Renato Roseno (PSOL), nesta quarta-feira, 4 de março.
A denúncia foi feita pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará). "Eu lamento muito que mais uma vez o Ceará seja pauta negativa do noticiário nacional, quiçá internacional, pela violação de direitos humanos", afirmou o deputado, acentuando que a violação é ainda mais grave porque é praticada pelo Estado. "A violência institucional é cometida por ação ou omissão do Estado. A violência cometida será respondida com mais violência. É uma mentira falar em ressocialização, quando o sistema está reproduzindo mais violência", completou, referindo-se às unidades que mantêm em privação de liberdade os adolescentes em conflito com a lei.
O deputado se confrontou com um discurso demagógico que defende revisão legal, para diminuir a idade penal e aumentar o tempo das penas, como solução para o problema da violência. "A questão não é de ampliar a lei penal. Se isso resolvesse, foi o que mais se fez nos anos de 1980 e 1990", relembrou Renato, que é advogado e estudioso da legislação criminal.
A omissão do Estado em serviços públicos de educação, saúde, esporte, cultura e lazer e a violência praticada pelos agentes estatais tendem a redundar em mais violência. "Queremos um Estado de oportunidade e promoção da dignidade humana", concluiu o deputado, que apresentou requerimento para a realização de uma audiência pública para discutir a situação do Sistema Socioeducativo do Estado.
Durante o pronunciamento, o deputado Renato Roseno também relembrou o caso do pedreiro Francisco Ricardo Costa de Sousa, torturado até a morte no dia 13 de fevereiro de 2014, no bairro Jardim Cearense, confundido por três policiais militares como autor de crimes. "Os PMs depois imputaram crimes à vítima que ela não cometeu, mas, mesmo que assim fosse, não cabia prender, torturar e executar", reprovou o deputado. Mais de um ano depois, os policiais foram indiciados por homicídio doloso e vão enfrentar o Tribunal do Júri. O deputado citou que 11 mil pessoas foram mortas no Brasil nos últimos cinco anos pelas forças policiais. "A tortura é pior quando é feita por agentes do Estado. Não podemos pagar, com os nossos impostos, que o agente da lei viole a lei", afirmou.
Em solidariedade aos familiares do pedreiro Tito, como era conhecido, reproduzimos aqui o desabafo do sobrinho dele, publicado pelo Coletivo Urucum - Direitos Humanos, Comunicação e Justiça: "Meu tio foi assassinado por três policiais do Ronda do Quarteirão por volta de 13h, 13h30. Ele foi levado para um matagal e torturado por 30 minutos até a morte. (Os policiais) tentaram esconder provas, esconder tudo. O que a gente mais se pergunta é 'por quê?'. Três contra um, pegaram para matar mesmo. O que eles estavam sentindo na hora para fazerem tamanha maldade?".