O fortalecimento das ações de controle da tuberculose foi tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece), na última segunda-feira (13). O encontro aconteceu ao pedido do seu presidente, o deputado estadual Renato Roseno (Psol), e reuniu especialistas, gestores, poder judiciário e sociedade civil, por meio de representantes de movimentos sociais.
Como a doença afeta principal e desproporcionalmente as populações em vulnerabilidade social, a audiência contou com profissionais da saúde e da proteção social. Segundo os dados do Ministério da Saúde, pessoas em situação e em superação de rua têm 54 vezes mais chances de ter tuberculosa que o resto da população. Em seguida, aparecem as pessoas privadas de liberdade e as pessoas vivendo com HIV.
“Nós sabemos que a tuberculose é vinculada a determinadas condições socioeconômicas. Mas ela pode ser prevenida, tratada e curada. Para isso, é necessária uma abordagem multidimensional, não só em saúde, mas de ordem social, habitacional, que levam em conta os determinantes sociais”, acredita Roseno.
Doença estigmatizada
A consultora técnica do Ministério da Saúde, Patrícia Sanine, que participou da audiência pública, reforçou que a doença é uma das mais antigas do Brasil, que chegou com os portugueses no período da colonização. “Mesmo assim, ainda temos um problema de saúde pública”. Com estigmatização da tuberculose ao longo dos anos, ela reforçou que é importante ressaltar que há cura. “Todo diagnóstico, tratamento e prevenção é disponibilizado gratuitamente pelo SUS”, lembrou.
Outro rumor que persiste ainda na sociedade brasileira diz respeito à transmissão, mas Patricia, que é doutora em Saúde Coletiva, explicou que a doença só é transmitida pela pessoa com tuberculose ativa — que com 15 dias de tratamento já não há contágio. Mesmo assim, só são infectadas entre 10 e 15% das pessoas que tiveram contato. Dessas, entre 5 e 10% poderão desenvolver a tuberculose em dois e cinco anos.
Aumento nos casos
Ainda assim, uma sociedade com maior vulnerabilidade social sofre com o aumento da tuberculose. Dados preliminares do próprio Ministério da Saúde apontam que, no ano passado, houve 80.012 casos novos da doença no Brasil. Em 2022, o país registrou 5.845 óbitos o maior número das últimas duas décadas. “Isso é alarmante, vergonhoso, escandaloso”, denuncia a enfermeira Argina Gondim, da Associação de Amparo aos Pacientes com Tuberculose.
Argina lembrou que o Brasil é um país com alta carga de tuberculose, tendo em média 35 casos por 100 mil habitantes. No Ceará, o número é ainda maior: 44/100 mil pessoas. Por essa razão, o Governo Federal lançou o Comitê Interministerial para eliminação da tuberculose e outras doenças determinadas socialmente (CIEDS), em 2023. “A proposta é reduzir para 10 casos por 100 mil habitantes”, explicou.
Outro dado preocupante, apresentado por Argina, dá conta que, em 2022, o Ceará registrou 50 mortes por tuberculose diagnosticadas após a morte. Já no ano passado, o número foi ainda maior: 57 óbitos. “Isso aponta que o Ceará não está trabalhando bem na busca de sintomático respiratório e no diagnóstico precoce”, denuncia a enfermeira.
Patrícia ainda reforçou que algumas situações de vulnerabilidade estão favorecendo o aumento no adoecimento, como as más condições de renda e trabalho, educação, habitação (aglomerados urbanos); alimentação (desnutrição); e condições de saúde (diabetes, baixa imunidade, uso de álcool e outras drogas). Quem adoece vê tudo piorar, pois 48% dos que adoecem perdem mais de 20% de suas rendas, seja individual ou familiar. “A tuberculose não só é condicionada pela pobreza, como acabar perpetuando essa pobreza”, acrescentou.
Representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Arlindo Ferreira, relatou que nos últimos cinco anos conheceram 11 pessoas que contraíram tuberculose, mas apenas duas conseguiram sobreviver. “A busca ativa não existe”, enxerga. Ele imagina que há muitas pessoas que não fazem tratamento justamente pela falta de moradia. “É preciso ampliar a rede e criar um equipamento de acolhimento durante o primeiro período de tratamento”, sugeriu.
Como encaminhamentos, a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) vai encabeçar um grupo de trabalho formado pelo poder judiciário, movimentos sociais, médicos, gestores municipais, entre outros atores. O objetivo é discutir, por exemplo, a mudança nos fluxos de atendimento e diagnóstico, englobando os serviços de proteção social, a criação de um plano de controle com os municípios, a ampliação da divulgação e articulação de visibilidade em equipamentos como os Centros Pop e cozinhas comunitárias.