Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. Relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fiocruz e UFRRJ estima que R$ 7,8 bilhões deixam de ser arrecadados pelos cofres públicos pela isenção fiscal dos dois tributos.
Ainda que o tema trate da questão fiscal, a isenção de impostos pelo setor suscita questões ambientais, de saúde pública, segurança alimentar e do próprio reconhecimento do Estado do que são produtos essenciais para a população brasileira. Isto porque o Estado brasileiro aplica, até então, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias, que permite benefícios fiscais a produtos reconhecidos como fundamentais para a sociedade.
De alto impacto à saúde humana e ao meio ambiente, a concessão do benefício tributário aos agrotóxicos não encontra solidez argumentativa por parte do Estado brasileiro. Ao apresentar manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade, após requerimento do Ministro do STF e relator do processo, Edson Fachin, o Ministério da Fazenda não apresentou fundamentos técnicos para a concessão da não tributação. Outra crítica à concessão ao benefício é que este mesmo princípio não se aplica a produtos essenciais e de consumo diário pela população.
“O critério da essencialidade aplicado para os agrotóxicos é mais uma das injustiças fiscais com as quais a gente convive. E se for perguntar para qualquer pessoa se considera agrotóxico essencial, com certeza a resposta será não”, destaca a integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Juliana Acosta. “Em contrapartida o que é essencial para a vida do povo é o alimento, que não se encaixa neste mesmo critério. Então é uma seletividade do Estado, que usa uma balança desigual a favor de grandes empresários de um setor que lucra muito, concentrando terras em mãos de poucos, para produzir mercadoria para exportação e não alimento para a população trabalhadora”, sublinha.
“Para a concessão de benefícios dessa natureza, com base na essencialidade tributária, as decisões administrativas devem ser fundamentadas. O que não ocorreu. O estímulo é ofertado há 23 anos sem critérios técnicos e sem a motivação da adequação e necessidade da medida – conforme aponta a ata da reunião de aprovação dos benefícios do Convênio Confaz) apresentada pelo Ministério da Fazenda”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt.
Ganhos para os grandes exportadores
Ao longo de 2019, o setor da agropecuária obteve faturamento recorde de R$ 630 bilhões (Mapa). Significativa parte do rendimento diz respeito à comercialização de produtos voltados para o mercado externo, como soja e cana de açúcar - culturas campeãs na utilização de agrotóxicos. O plantio de soja, por exemplo, representa 63% do total de agrotóxicos utilizados no Brasil (Dados UFMT).
“Os subsídios beneficiam principalmente os grandes exportadores de commodities do setor agropecuário, os quais não precisam dessa benesse por se tratar de um setor já bastante competitivo e lucrativo, principalmente diante da desvalorização do real, das condições geoclimáticas do país, do desenvolvimento de tecnologias e infraestruturas que propiciam condições únicas para a exportação de grãos como a soja, já beneficiada pela Lei Kandir”, destaca o pesquisador da Fiocruz e integrante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Marcelo Firpo.
O pesquisador ainda refuta a ideia de que o fim da isenção do ICMS e IPI para agrotóxicos impactaria, majoritariamente, o bolso dos pequenos agricultores. “A desoneração beneficia principalmente o setor agroexportador, e não influencia de forma expressiva os agricultores responsáveis pelos produtos da cesta básica”, destaca.
De acordo com o Censo Agropecuário (2017), áreas de pequena extensão são as de menor uso dos agrotóxicos. Propriedades de 2 a 5 hectares, as maiores em número no Brasil - com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados majoritariamente pela agricultura familiar - afirmam gastar cerca de 1,67% das despesas de produção com agrotóxicos.
“É da agricultura familiar, grupo com baixa despesa do custo de produção com agrotóxicos, que consumimos cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. Portanto, o impacto maior é aos grandes produtores exportadores”, destaca Naiara Bittencourt.
Impactos para os cofres públicos
Além da não arrecadação de tributos pelos Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer.
Participação da sociedade civil
Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um espectro diverso de defesa dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Quatro pedidos de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Abrasco, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.
Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo.
Sobre o julgamento
Embora presente na pauta do Supremo em 19 de fevereiro e 15 de outubro, o julgamento não chegou a ser iniciado. Desta vez, o julgamento foi remetido pelo ministro Fachin à modalidade virtual, sem a realização de sessão transmitida virtualmente e com prazo para que os ministros expressem seus votos até 10 de novembro.
Caso algum ministro faça pedido de vista, ou seja, de um tempo para análise da matéria, o julgamento deve ser posteriormente retomado de modo presencial, em data a ser definida pelo presidente da Corte, Luiz Fux. (Imagem: Agência Brasil)