A inspiração veio da música "Iansã", de Gilberto Gil, imortalizada por Maria Bethânia: "tempo bom, tempo ruim". O verso foi usado por Jean Wyllys no título de seu livro sobre "identidades, políticas e afetos", lançado em 2014. Também foi o nome do debate do qual o hoje deputado federal pelo PSOL participou em Fortaleza na última sexta-feira, 11, e que foi promovido pelo mandato É tempo de resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE). Na pauta do debate, realizado na sede do PSOL-Ceará, a difícil conjuntura política que o Brasil atravessa.
"Nós vivemos um avanço dos apelos autoritários, do conservadorismo, de uma redução das capacidades sociais de interpretação da política. Há, inclusive a adesão de setores sociais a ideias que são contrárias a seus próprios interesses", avaliou Renato durante a abertura do debate. "Mas não é só tempo ruim. Há um tempo bom também. O poder nos quer melancólicos, deprimidos, tristes. Para que nós não enxerguemos beleza em nós mesmos, não enxerguemos alegria em nós mesmos, potência em nós mesmos. O tempo bom é esse tempo da potência dos encontros, das alteridades, das resistências", completou.
Cerca de 200 pessoas acompanharam o debate, parte delas vindo de cidades do Interior, como Tauá, Tianguá, Crateús, Crato. A presidente estadual do PSOL Cecília Feitosa e a ativista LGBT Helena Vieira também compuseram a mesa com Jean Wyllys. Em sua fala, Helena levantou a discussão sobre as atuais características da esquerda brasileira e os desafios colocados diante das dificuldades, dos retrocessos e das atrocidades sociais, políticas e humanitárias verificadas em âmbito nacional. E também fez uma reflexão sobre o processo histórico que nos levou ao atual momento, em que, segundo ela, a política está marcada por uma descrença profunda.
"Quando a gente começa a pensar que a política não é mais um caminho, não é mais um instrumento de construção do mundo, a gente começa a defender formas autoritárias, saídas não-políticas que impedem que a gente dialogue, que a gente possa construir coletivamente um projeto de sociedade", defendeu. Segundo Helena, é nesse contexto de descrença na política que há a ascensão de figuras como Bolsonaro ou João Dória. "O primeiro defende o caminho para a violência porque não consegue dar conta de explicar e compreender a realidade. Já o Dória vê na política o campo da ineficiência, da morosidade. A ideia de um estado-empresa que pode ser administrado de forma impessoal também é anti-política. Porque a política é o campo das disputas e das construções coletivas".
DEFESA DA DEMOCRACIA - Em sua intervenção, Jean alertou para a urgência de defesa da democracia, como instrumento central de construção de uma nova sociedade. “Eu não acredito em esquerda que não seja democrática. Nós estamos interessados em construir justiça social, em corrigir injustiças sociais, mas também estamos interessados em garantir direitos civis e liberdades individuais. E os direitos civis e as liberdades individuais, bem como os movimentos identitários que renovam a política, floresceram nas democracias", afirmou.
Para Jean, a experiência histórica que permitiu o nascimento e o fortalecimento de um partido como o PT está superada e a esquerda brasileira precisa estabelecer novas pontes de diálogo com a sociedade. "O PT nasce do sindicalismo, da intelectualidade universitária e das Comunidades Eclesiais de base. Por isso, ele teve a capilaridade para chegar ao povo, para chegar à sociedade. Conseguiu ser um partido de massa, o maior da América Latina", explicou. "Hoje isso precisa ser repensado porque a renovação carismática tirou a teologia da libertação de cena, acabou com as comunidades eclesiais. Por outro lado, o neopentecostalismo dos evangélicos avança de forma assustadora. No lugar da teologia da libertação, há a teologia da prosperidade, em que você é mais abençoado quanto mais você tiver. É uma teologia que vai ao encontro da tese neoliberal, segundo a qual o livre mercado vai poder solucionar nossas questões".
Para Jean, o Brasil sempre viveu uma democracia de fachada. E os esforços de "democratização" costumam ser interditados. "O golpe de 2016 foi uma tentativa de impedir a consolidação desse processo. E ele vem sendo implementado por meio de reformas, como a política, a trabalhista e a previdenciária", afirmou. "É mais uma tentativa de não permitir a democratização da democracia. Por isso, temos de defender a democracia como um valor central para a esquerda".
Confira a íntegra do debate em http://bit.ly/2uL02Qm