Não apenas um grave cenário de injustiça social, mas um amplo conjunto de ilegalidades que coloca em discussão toda a política de recursos hídricos do governo do Estado. Essa foi a avaliação de pesquisadores e especialistas durante a audiência pública sobre o a construção de poços para captação de água com fins industriais na região do Lagamar do Cauípe, entre os municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante. O evento, resultado de requerimento do mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), foi realizado na tarde da última sexta-feira, 24, no auditório Murilo Aguiar, da Assembleia Legislativa.
Participaram da audiência representantes do Ministério Público, Defensoria Pública e de entidades ambientais, além de parlamentares, gestores públicos e professores universitários. Cerca de 400 moradores de algumas das 27 comunidades atingidas pelas obras também estiveram presentes. Segundo Renato Roseno, a política de recursos hídricos define princípios claros quando há estiagem e, entre eles, está a prioridade para o abastecimento humano. “Temos sido críticos quanto à gestão de recursos hídricos do Ceará. E esse projeto fere a legislação estadual, que estabelece que a prioridade para o uso da água será o consumo humano. Isso é uma grave ilegalidade”, afirmou, denunciando a destinação de água para uso industrial, em particular para o Complexo do Pecém. “Qual economia estaria mais adaptada à nossa realidade? Precisamos resguardar a prioridade ao abastecimento humano dessas 27 comunidades".
Na avaliação de Renato, o conflito pelo uso da água entre as comunidades locais e a COGERH é iminente e representa ameaça à segurança hídrica das comunidades locais. "E também representa uma ameaça à geração de trabalho e renda pela diminuição prevista do espelho d'água, bem como o comprometimento de atividades turísticas na região. Sem falar na própria segurança alimentar das comunidades, porque há um impacto no desenvolvimento da agricultura e na produção de alimentos, bem como sobre a biodiversidade de uma forma geral", explica.
João Alfredo Telles, professor de direito ambiental, ex-vereador e ex-deputado, afirmou que há uma coleção de ilegalidades nas intervenções realizadas na região. “É inaceitável pedirem o sacrifício da população para saciar a sede das indústrias”, disse, fazendo referência ao empreendimento do Complexo Industriais do Pecém que serão beneficiados com os poços. Segundo João, é preciso “parar imediatamente essas obras diante desse cenário de ilegalidades”. Já Alexandre Araújo Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará, criticou a instalação de termelétricas e refinarias no Estado e disse estar escandalizado com o “desastre da política de recursos hídricos do Estado” e com a “quantidade de leis que o Governo violou de uma só vez”.
Representando os índios Anacés, o cacique Antonio Ferreira disse que os poços que estão sendo cavados, além de acabar com a água, vão salgar o manancial. "Eles secaram todos os açudes e agora querem secar o Cauipe pra beneficiar a siderúrgica. E esses poços que estão cavando vão salgar a terra, porque a água sai e o sal entra˜, afirmou. "Aquelas obras têm de parar!˜
A ambientalista Soraya Vanini alertou que o Cauipe trata-se da última reserva de água do Estado. "Hoje, o Ceará só tem água na região litorânea. Nós estamos com o Castanhão com volume morto, o Orós com 7%. E nós estamos lançando mão da última reserva para destinar à indústria?!", quesitonou. "É correto destinar recursos públicos para obras que vão beneficiar apenas indústrias privadas? Essa é a opção que nós queremos? Por que o estado tem de oferecer, com recursos públicos, a segurança hídrica das indústrias?"
Entre os encaminhamentos da audiência, estão a formação de uma comissão de deputados para realizar uma visita aos territórios afetados e a formulação de uma solicitação ao Governo do Estado para a suspensão das obras. A Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Governo do Estado também se comprometeu a realizar uma visita e fazer a mediação sobre a atuação da polícia na região. A Defensoria Pública do Estado informou que já havia recebido solicitação de intervenção e está no processo de reunião documental para entrar com ação pública contra as intervenções estaduais. (Com informações da Assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa / Foto: ASCOM-AL)