O Ceará não apenas possui índios espalhados em seu território como eles tiveram uma contribuição decisiva para a formação do povo e das tradições culturais cearenses. É o que reconhece a lei 17.165/20, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) e sancionada pelo governador Camilo Santana. A lei foi publicada no Diário Oficial do Estado do último dia 2 de janeiro.
Nos termos da nova legislação, são reconhecidas tanto a existência e a contribuição cultural quanto os direitos dos povos indígenas no Estado do Ceará. “Fica declarada a inestimável contribuição da cultura indígena para a formação da sociedade cearense, notadamente no que se refere à formação do nosso patrimônio cultural”, diz a lei, aprovada pela Assembleia Legislativa no fim do ano passado.
Segundo Weibe Tapeba, assessor da Federação dos Povos Indígenas do Ceará e vereador pelo PT em Caucaia, a publicação da lei representa um marco importante na história do nosso estado. “É uma norma que minimiza os efeitos do danoso Relatório Provincial de 1863, que dava como extinta à população indígena no Ceará”, explica. “Sempre estivemos aqui. O Estado do Ceará faz justiça reconhecendo a presença da diversidade dos povos indígenas na construção de sua sociedade”.
Quando Assembleia Provincial do Ceará declarou em 1863 que não existiam mais índios no Estado, o interesse dos poderosos que estavam por trás da medida era se apossar das terras dos aldeamentos indígenas. No relatório assinado pelo então presidente da província, José B. C. Figueiredo Júnior, constava a informação de que, entre os índios aldeados ou bravos que aqui habitavam, uma parte fora dizimada e a parte restante havia migrado ou se descaracterizara.
Desde então, a ideia de que não havia mais índios no Ceará foi tão amplamente disseminada que até hoje é difundida. Mas o fato é que ela não passa de uma versão distorcida e interessada da história: no Ceará há índios sim! E hoje eles são 14 povos indígenas espalhados por 18 municípios, totalizando cerca de 26 mil pessoas.
Historiografia
"Ao longo de mais de 500 anos, os indígenas estão sendo violentados em sua cultura e em seus direitos. Muitas vezes, são obrigados a se esconder e até a negar sua história por uma questão de sobrevivência", defende o deputado estadual Renato Roseno (PSOL).
Em parceria com o movimento indígena cearense, Renato foi autor do projeto de lei 402/2019, que deu origem à lei publicada na última quinta-feira. Segundo o parlamentar, somente no final da década de 1970, através da mobilização dos índios Tremembé e Tapeba, com mediação da ONG Missão Tremembé, da Igreja Católica e das universidades, é que se iniciaram as articulações em torno da garantia de direitos desses povos no Ceará.
Segundo a historiadora Isabelle Silva, a força da ideologia que sustentou o interesse das elites na expropriação das terras indígenas transformou um simples relatório provincial no “decreto da extinção”, como o documento ficou conhecido. E foi reproduzido pela historiografia por mais de um século, contribuindo decisivamente para a negação da presença indígena no Ceará.
"O nosso projeto de lei visa afirmar que os povos indígenas no Ceará, no passado, não foram extintos – como querem as ideologias de ontem e de hoje", explica Renato. "E também quer reafirmar a existência desses povos no presente, assim como seus direitos, não deixando dúvidas quanto à sua importância social, cultural e ambiental".
Para o deputado, a lei representa uma grande reparação histórica a essas populações. "Estamos muito felizes em poder contribuir para o reconhecimento, ainda que simbólico, dos povos Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia e Tupinambá!", afirma. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Thiara Montefusco - Divulgação - Governo do Estado)