“Sertão é onde o pensamento da gente/ se forma mais forte do que o lugar” Guimarães Rosa
Localizada no semiárido cearense, a cidade de Santa Quitéria se vê novamente ameaçada com a possibilidade de retomada das atividades de extração de fósforo e urânio na mina de Itataia. Para discutir e denunciar os riscos ambientais, sociais e sanitários envolvidos no projeto, o mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), realizou uma live no instagram na noite da última segunda-feira (1). Participaram do debate o integrante da Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e membro da Articulação Antinuclear do Ceará (AACE), Erivan Silva; e o professor, agricultor e coordenador do grupo de jovens Sementes do Sertão, Luis Paulo Sousa.
Um dos argumentos utilizados pelos defensores do projeto é que a prática da mineração pode gerar empregos e renda para a população. Erivan explicou que foi preciso rever essa visão “romantizada” sobre a atividade mineradora e que a luta no movimento antinuclear lhe permitiu essa mudança de entendimento. "Foi dentro do MAM que aprendi a desconstruir a ideia de que a mineração é uma coisa lucrativa, que gera empregos e renda e que o foco é esse", afirmou. "Venderam para nós a ideia de que é uma coisa que traz ascensão, romantizada. O que precisamos compreender de fato é para que essa mineração serve, para quem ela gera lucro e quem, de fato, é vítima dela. A partir disso, é possível mudar nosso olhar”.
Em novembro de 2020, o MAM e a AACE, juntamente com mais de 200 entidades, movimentos sociais e órgãos de pesquisas de todo Brasil, assinaram uma nota pública contrária à retomada do projeto de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria. “Vivemos em uma sociedade mineralizada e corremos o risco de sermos mineralizados. Quando falamos de Santa Quitéria e falamos dos possíveis impactos socioambientais e territoriais que podem surgir, isso se deve, principalmente, ao fato de que sabemos e conhecemos o histórico das empresas envolvidas no consórcio", acrescentou Erivan.
O Consórcio do Projeto Santa Quitéria é composto pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), pela empresa privada FOSNOR - Galvani S/A (que mudou de nome) e conta com financiamento do Governo do Estado do Ceará e apoio de seus órgãos de gerenciamento de recursos hídricos. E é, especialmente, em relação à água, onde permanecem as preocupações da maioria dos quiterienses.
Roseno levantou questões como alimentação, ameaças ao meio ambiente e a repercussão do projeto na cidade. Para o parlamentar, “você colocar gerações dependentes de um grande empreendimento minerário reduz a autonomia deles e dos territórios. Além disso, destrói o saber do camponês, que, por anos e gerações, cultiva e cuida da terra”. “Precisamos valorizar esse saber, que é voltado, principalmente, para pensar como os laços sociais podem se dar em consonância e respeito à natureza. É permitir que esse conhecimento e essa história possam, dentre outras coisas, permitir um outro tipo de relação. Mas, antes de tudo, precisamos mudar a chave na construção da lógica do Estado”, acrescentou.
Água
Em se tratando de projetos de mineração, são comuns impactos ambientais como vazamento de produtos altamente tóxicos, como licor de urânio e ácido sulfúrico; e degradação do solo. Além disso, a ameaça do funcionamento da usina traz graves riscos à qualidade da água na região, pela ameaça de contaminação de recursos hídricos e mananciais subterrâneos. “Água é vida e não podemos fechar os olhos para como isso iria afetar a qualidade e procedência dessa substância necessária para todos. Seja para consumo, plantio ou manutenção da terra”, defendeu Erivan.
Um Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) realizado em 2014 na localidade, identificou que, em uma hora, a usina utilizaria 150 mil litros de água. Uma outra avaliação, feita em 2016, destacou o levantamento sobre a quantidade de carros-pipa necessários para abastecer localidades no entorno da mina. Seriam utilizados 36 carros por mês; já a mina utilizaria, em uma hora, 156 carros-pipa. “Eles defendem a narrativa de que o desenvolvimento pode melhorar tudo, até a vida do povo, mas não é isso que constatamos”, argumentou Erivan.
A agricultura como forma de ver e viver a vida
Filho de segunda geração de famílias assentadas em sua comunidade, Luis Paulo Sousa se orgulha muito de sua trajetória como agricultor. “Faço questão de falar com muita felicidade sobre isso, porque é justamente essa ligação com a terra que me faz completo e feliz”, defende. O professor acrescentou ainda que procura conscientizar seus alunos sobre a importância da valorização da terra. “Hoje, me empenho para ensiná-los a refletir sobre a valorização do que temos. Muitos decidem terminar o Ensino Médio e ir para Fortaleza, ainda na visão de que somente a cidade grande irá propiciar algo. Mas muitos, e digo isso com orgulho, reconhecem que permanecer também é valioso”.
Luis Paulo reside no Assentamento Morrinhos, que fica a 3km da mina, assim como outras 55 famílias. “A comunidade está com os olhos bem abertos em relação ao que nos prometem, principalmente, vindo com o cenário da usina. Eu sou uma prova viva de que somos capazes de viver com o sustento da própria terra, mas precisamos do apoio do Governo, é possível. Quando olho pra realidade da cidade, não temos essa crise alimentícia como tem na cidade. Aqui produzimos o milho, o feijão, a batata doce, a carne. Aqui essa crise não é tão acentuada, logo, temos uma qualidade de vida excelente”, reforçou.
Mas, que outras possibilidades são possíveis? Para essa pergunta, Luis Paulo foi incisivo: "Sabendo que cada um de nós faz parte de uma engrenagem total, eu acredito na união de todos e no esforço coletivo para a manutenção desse território que é tão valoroso para nós. Temos que unir forças na luta, dar visibilidade e discutir sobre isso, como estamos fazendo aqui hoje. Uma coisa que digo e não retiro, é: nasci em assentamento, moro aqui e permaneço aqui". (Texto: Evelyn Barreto / Foto: Reprodução)
[+] SAIBA MAIS:
Confira aqui a íntegra da live.